"Quando os jovens de uma nação são conservadores, o sino de seu funeral já tocou" Henry Ward Beecher

"Quando os jovens de uma nação são conservadores, o sino de seu funeral já tocou"
Henry Ward Beecher

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Ciência, Tecnologia e Forças Produtivas: Emancipação ou Dominação?


A questão do desenvolvimento e do progresso da história atrelado ao processo científico, tecnológico e das forças produtivas que dão materialidade a existência da vida social, sempre nos inquieta sobre o papel e sua função nesse desenvolvimento.
No século XVIII, os ludistas inspirados na falsa idéia do papel dos meios de produção que no capitalismo foram apropriados pela classe burguesa num processo histórico ocasionado pelo mercantilismo, pelo desenvolvimento da manufatura, junto com a revolução industrial que revolucionou tal desenvolvimento, achavam que estes eram os responsáveis pela causa do desemprego, da exploração e da alta taxa do tempo de trabalho necessário no interior das fábricas e com seu pensamento imediato da realidade social, resolveram quebrar as máquinas em que achavam as culpadas pelos seus problemas.
Para Marx a resposta para tal atitude se verifica em “É preciso tempo e experiência até que o trabalhador distinga a maquinaria de sua aplicação capitalista e, daí, aprenda a transferir seus ataques do próprio meio de produção para a sua forma social de exploração”. [1]
A máquina é resultado do desenvolvimento da manufatura que posteriormente com o aparecimento da grande indústria foi apropriada da por uma classe social em ascensão, a classe burguesa, que quebrou as amarras da sociedade feudal e privatizou os meios de produção em benefício próprio.
Os meios de produção, o desenvolvimento tecnológico, e o avanço da ciência moderna trazem para o homem moderno, várias questões a serem discutidas neste início deste século. O uso de tais recursos pelo Capital principalmente da ciência, são utilizados por ele para se converter em mais capital, mas a ciência em si, não se converte em um problema, pois o problema esta na relação social entre o desenvolvimento da ciência, a e de quem se utiliza dela, pois o capital precisa dela para acumular mais capital, necessário a existência da própria sociedade capitalista.
O Capital faz uso da ciência e da tecnologia nas forças produtivas, para aumentar seu capital, portanto não é a máquina em si que esta no centro da discussão, mas de que como o capital a coloca no sistema capitalista. A utilização dessas técnicas é determinada de acordo com o grau de desenvolvimento das forças produtivas, e de acordo com cada determinação histórica do modo de produção capitalista.
Muito se discuti hoje a desqualificação do trabalhador. Vê se nos grandes meios de comunicação, por idéias elitistas e liberais, a falsa idéia de que o trabalhador está desqualificado e precisa-se qualificar para arrumarem emprego, mas podemos observar na análise feita por Marx no “O Capital” de que a máquina em si simplifica o trabalho, o homogeneíza a produção social, deixando o trabalho mais simples, uniformizando-o, fazendo com que o trabalhador vire um “apêndice da máquina” e não ao contrário.
O trabalhador cede lugar à máquina, mas este, não deixa de ser fundamental no capitalismo, ele deixa de ser a categoria central e agora a máquina que se torna central, no processo de trabalho é a máquina que detêm a aplicação técnica e da ciência. Mas o que dá materialidade a sociedade é o trabalho, que se constitui no dado ontológico da vida social. Este trabalho é posto em prática pelo trabalhador em contato com a máquina. O trabalho perde a centralidade no processo, mas não o fundamento da materialidade social, a ontologia do ser.


[1] Marx, K. O Capital – Volume 2 Cap. XIII pág. 45.


Bibliografia:
Marx, K. O Capital - Capitulo XIIII - Maquinaria e Grande Indústria, Livro II, Tomo II, Seção IV. Os Economistas. Abril Cultural, 1988.
Marx, K. O Capital Volume VI Inédito. Resultado do Processo de Produção Imediata. Ed. Centauro, 2004.


Trabalhadores da GM SJC Em Defesa de Seus Direitos - produção do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região.


sexta-feira, 4 de julho de 2008

França: lutas sociais anticapitalistas no maio de 1968.



Paris, 10 de maio de 1968. No Quartier Latin (Bairro Latino), alguns milhares de estudantes iniciariam ao fim do dia uma marcha de protesto contra as prisões de vários colegas pertencentes ao grupo Enragés, da Universidade de Nanterre. Pelas ruas do bairro, o grafite “É proibido proibir – Lei de 10/05/1968” prenunciava umas das mais importantes sentenças da comuna estudantil que ali estava para nascer. Ao fim do dia mais de vinte mil estudantes põem-se em marcha pela Rua Gay Lussac para logo se defrontarem com a polícia (CRS – Corpo Republicano de Segurança), estabelecendo-se naquela noite um dos confrontos mais violentos da história da república francesa. As barricadas erguidas com carros e o confronto generalizado dos estudantes com a polícia colocavam nas ruas de Paris o fantasma dos acontecimentos da Comuna de Paris (1871).
Na “noite das barricadas” da comuna estudantil do Quartier Latin inaugurou-se aquela que seria uma expressão emblemática dos grandes conflitos sociais do século XX. No quadro histórico das lutas sociais anticapitalistas os acontecimentos do Maio de 1968 representaram efetivamente a generalização da grande recusa por parte dos estudantes e dos trabalhadores ao modelo social do capitalismo tecnocrático que o mundo via organizar-se na transição da sociedade fordista ao modelo societário da acumulação flexível da sociedade (pós-fordista) toyotista centrada em práticas organizacionais crescentemente tecnocráticas. Das barricadas da comuna estudantil acendeu-se um estopim de protestos generalizados que levou em menos de três semanas a uma greve geral por todo o país o espantoso número de mais de dez milhões de trabalhadores paralisando praticamente todos os setores produtivos da sociedade. Nunca uma potência capitalista estivera sob ameaça tão grave de destruição de suas instituições políticas. Estudantes e trabalhadores em voz uníssona recusaram-se durante mais de um mês a qualquer diálogo com as representações políticas tradicionais nas negociações entre capital e trabalho no capitalismo. Estudantes e trabalhadores generalizaram aquilo que Karl Marx definia como o “poder social”, com a grande recusa do movimento social as instituições capitalistas desabavam a olhos vistos na sua completa vacuidade de sentido histórico. Nem partidos, nem sindicatos, nem o parlamento ou qualquer outra agência governamental podia assumir-se como porta – voz da colossal manifestação social que varria as ruas do país. Da comuna de estudantes e trabalhadores definiram-se práticas sociais de novo tipo, de uma solidariedade radical nunca antes vista nessa proporção e magnitude na história das lutas anti-capitalistas do século XX.
O Maio de 1968 representa hoje, quarenta anos depois não apenas a insatisfação de estudantes e trabalhadores com as formas societárias crescentemente burocráticas do capitalismo de então, o Maio de 1968 representa fundamentalmente as possibilidades societárias da autogestão generalizada. Representa, portanto, a luta pela supressão das práticas institucionais do modo de produção capitalista pela organização social de práticas institucionais de novo tipo, centradas na solidariedade dos trabalhadores, o poder político de novo tipo nascido nessas práticas de recusa definindo-se como poder social. O Maio de 1968 apontou como realidade concreta a sociedade comunista. Esse é o real sentido histórico do Maio de 1968, não uma manifestação estudantil que explodia contra as expressões formais da imaginação e da consciência alienada de estudantes e trabalhadores na sociedade capitalista. Não foi apenas uma “recusa” ou o “é proibido proibir” reclamado contra as instituições da repressão social, o efetivo sentido histórico dos acontecimentos do Maio de 1968 deu-se pelas práticas cotidianas da auto-organização dos trabalhadores e estudantes franceses como a negação absoluta do capitalismo e a afirmação da materialidade concreta da ordem comunista. Como afirmou Maurice Brinton (do grupo inglês conselhista Solidarity, que acompanhou os fatos acontecidos nos primeiros dias da comuna estudantil), daqueles acontecimentos as pessoas souberam que a revolução era possível mesmo sob as condições violentamente repressivas do capitalismo burocrático moderno.
Um dos grandes mitos revolucionários do Século XX originou-se das práticas políticas bolcheviques lideradas por Lênin na Revolução Russa de 1917: o mito da vanguarda e liderança do Partido Comunista na condução do processo revolucionário. Contudo, outras formas de organização revolucionária nasceram no processo da Revolução Russa, como aquelas preconizadas pelo Grupo Verdade Operária (Rabotchaya Volia) ao qual estava vinculado o grande intelectual marxista russo Alexander Bogdanov, que se suicidou em 1928. Bogdanov e o Grupo Verdade Operária lutaram dentro dos acontecimentos da Revolução Russa por uma outra prática revolucionária: o autonomismo conselhista, isto é, uma forma de gestão social pautada pela democracia direta, cujas representações haveriam de se realizar sob o poder direto delegado e não sob o poder delegado de representação tal como nas democracias das sociedades capitalistas.
O autonomismo conselhista foi o mote central das lutas no Maio de 1968. Das práticas políticas de novo tipo o movimento social dos estudantes e trabalhadores lutava pela não separação entre a representação política e as demandas sociais postuladas. Na autogestão conselhista desenhada por aquela experiência o poder procurava realizar-se como ato da sociedade e não como ato político separado da sociedade. Desse modo, as lutas sociais anticapitalistas traziam à sociedade francesa o legado conselhista que sempre fora derrotado historicamente pelos partidos políticos que se diziam representantes políticos da revolução junto ao Estado, como o caso de Lênin, frente à condução político – burocrática da Revolução Russa, mas agora com uma diferença radical: as práticas do espontaneísmo autonomista dos estudantes e dos trabalhadores franceses generalizaram-se como expressão integral do cotidiano das lutas na sua expressão diária de resistência ao confronto com a repressão policial e na organização da greve geral que diariamente atingia a integralidade do setor produtivo do país. Nesse sentido, o autonomismo conselhista nascido da organização diária dos estudantes e trabalhadores recusava não apenas as instituições da sociedade capitalista como recusava também aqueles que historicamente sempre se afirmaram como os “organizadores” da revolução: os sindicatos, os partidos comunistas e todas as demais frações partidárias da “extrema” esquerda (no caso em questão, principalmente os grupos trotskistas e os maoístas, por exemplo). Ângelo Quattrocchi que testemunhou os acontecimentos conta-nos que na noite de 10 de maio, quando o Bairro Latino preparava-se para a grande batalha com a polícia, os jovens trotskistas da LCR (Liga Comunista Revolucionária), saíram em passeata propondo aos estudantes que fossem para casa, “deixando a revolução por conta dos trabalhadores”. O autor afirma ainda que as lideranças desse mesmo grupo, dias depois proibiriam os seus militantes de participar dos debates que se travavam no soviete estudantil da Sorbonne.
Mas se a esquerda tradicional e mesmo os grupos mais extremistas do dirigismo das vanguardas revolucionárias não conseguiam impedir o avanço do movimento global dos fatos desencadeados pelos estudantes e trabalhadores, foi essa mesma esquerda a principal responsável pelas negociações políticas junto ao governo que levaram ao fim dos acontecimentos. Afirma Robert Kurz que o Partido Comunista Francês (PCF) foi o grande responsável pelo “estrangulamento” do movimento para a via parlamentar com a ajuda dos sindicatos sob seu controle. O destino da grande experiência revolucionária que se desenhava nos acontecimentos derrotou-se quando sobre esse movimento social viu o PCF junto ao governo De Gaulle acertar no dia 25 de maio um aumento de 35% do salário mínimo, passando de 384 francos a 520 francos, aumento esse concedido um dia após os trabalhadores e os estudantes terem invadido a Bolsa de Valores e vários distritos policiais estando já Paris completamente paralisada em todos os seus serviços urbanos. Noutras cidades, como Nantes, também os camponeses já se aliavam aos trabalhadores urbanos na greve geral e entravam na cidade dirigindo seus tratores em ato de manifesta solidariedade.
O componente nacionalista francês do gaullismo levara a França quando da organização da Quinta República (1958) ao esforço de consolidação de sua condição de potência nuclear. O presidente Charles De Gaulle acreditava firmemente no poder militar como termo de negociação internacional. De nítida inspiração fascista (o ideário fascista de Charles Maurras tinha forte presença junto ao gaullismo) essa variável nacionalista da Quinta República francesa sugeria à organização social da produção a institucionalização crescente das práticas tecnocráticas de gestão, só assim se garantiria a condição de potência diante de uma colossal reformulação administrativa do capitalismo francês. A Universidade foi a porta de entrada dessa racionalização tecnocrática. O Maio de 1968 encurralou esse projeto por algum tempo, levando inclusive De Gaulle pela segunda vez, na sua trajetória política (a primeira fora na Segunda Guerra Mundial, quando de Londres organizava as forças de resistência em França contra a ocupação alemã e contra o governo Vichy, colaboracionista com o Reich hitlerista), a sugerir uma ofensiva militar organizada fora do país (com tropas francesas estacionadas em Baden-Baden, na Alemanha) contra os estudantes e trabalhadores que paralisavam o país, ofensiva que não foi levada a seu termo dado o refluxo do movimento social logo após os acordos salariais com o governo mediados pelo PCF em fins do mês de maio.
Os fatos que marcam o Maio de 1968 como um dos mais radicais experimentos revolucionários do século XX estão diretamente relacionados à crise da Universidade francesa, nesse sentido, a separação dos atores sociais envolvidos (estudantes e trabalhadores) aparece aqui como meramente formal, isto porque, a crise da Universidade em França afirmava diretamente a condição proletarizante a que estavam envolvidos os estudantes. Tom Nairn diz que de fins da década de 1950 aos fatos da comuna estudantil de maio de 1968 o número de estudantes universitários franceses saltara de 170 mil para mais de seiscentos mil, crescimento esse que não teve o mesmo acompanhamento na construção de novos prédios e outras instalações que pudessem acomodar esse crescimento numérico de estudantes. Só em Paris, essa massa estudantil chegava a 182 mil pessoas. Nairn conclui que como corolário desse crescimento esses estudantes praticamente ficavam impedidos de ter acesso a condições de estudo e manutenção adequada de sua sobrevivência. Diante de uma sociedade altamente burocrática, a tendência que o modelo capitalista francês sugeria era a da “industrialização da universidade”, termo expresso pelas reformas educacionais encaminhadas pelo regime gaullista no período. A proletarização da universidade empurrava o movimento estudantil às interfaces do mundo do trabalho, mas para organizá-lo na posição de novos quadros da tecnocracia. O movimento estudantil organizar-se-á contra essa condição de dirigentes subalternizados desse capitalismo tecnocrático ou “neocapitalismo esclarecido” (Tom Nairn).
Dessa realidade institucional em que se encontravam os estudantes, conforme Maurice Brinton, afirmaram-se desde inícios do ano de 1968 duas propostas originadas da universidade francesa aos órgãos governamentais. A primeira, era a dos professores e de uma parte do movimento estudantil, para esses, a universidade estava desadaptada às condições estruturais do modelo capitalista tecnocrático e exigiam assim reformas na educação, aumentos no orçamento para a educação e que os universitários pudessem formar-se com emprego assegurado. A segunda proposição que vinha dos estudantes “rebeldes”, conforme Brinton, não era exatamente uma proposta, mas a manifestação da recusa, estes rejeitavam integralmente a própria sociedade moderna, a constatação da alienação era a condição da própria revolta contra a falta de significado da vida no capitalismo burocrático. Evidentemente que é na insatisfação generalizada dos estudantes que encontramos o sentido concreto das jornadas estudantis. Cabe ressalvar, contudo, que essa insatisfação com a própria condição de estudante afirmando-se como quadro gestor do capitalismo já tinha profundas raízes no movimento estudantil através da atuação do grupo situacionista que tinha em Guy Debord e Raoul Vaneigem suas expressões teóricas mais destacadas. Dos estudantes que foram presos e punidos com sanções disciplinares na Universidade de Nanterre pertencentes ao grupo dos Enragés, sete deles tinham vínculos com o movimento situacionista. Conforme Dumontier, os Enragés organizados como grupo em Nanterre, em janeiro de 1968 estiveram envolvidos com a ocupação da sede administrativa da universidade no mês de março e por causa disso um de seus membros Gerard Bigorgne foi expulso de todas as universidades francesas por um período de cinco anos.
Os situacionistas organizavam-se desde 1958 em torno da revista Internacional Situacionista coordenada por Guy Debord. A revista não tinha uma periodicidade regular pelas dificuldades financeiras do grupo. O artista plástico dinamarquês Asger Jorn, que como Debord participara de alguns grupos de vanguarda estética no início da década de 1950 (como o Movimento para uma Bauhaus Imaginista e a Internacional Lettrista) e que se afirmara nos anos sessenta como um dos nomes mais expressivos da “pintura industrial” é que com algumas de suas intervenções artísticas conseguia garantir a editoração de alguns números da revista. Os doze números da revista constituem-se hoje como um dos maiores documentos da cultura política dissidente da década de 1960, com o situacionismo encontramos uma das mais expressivas manifestações políticas do marxismo conselhista do século XX. A proposição política situacionista era radicalmente autonomista–conselhista e esse programa estabeleceu-se definitivamente na história do marxismo contemporâneo com a obra de Guy Debord, especialmente pelo seu livro – A Sociedade do Espetáculo, publicado em novembro de 1967. Seis meses antes dos acontecimentos das barricadas estudantis que desencadeariam os conflitos do Maio de 1968, Debord definia o “proletariado atual” (para a década de 1960), como a imensa maioria dos trabalhadores que perderam todo o poder sobre o uso de sua própria vida e que assim que tomavam conhecimento disso, se redefiniam como proletariado, o negativo em ação nessa sociedade e esse proletariado também se definia pela “extensão da lógica do trabalho fabril” que estaria aplicada à grande parte dos “serviços” e das profissões intelectuais” (Debord, 1997, 81). E como proposição política de práticas superadoras de tais realidades, Debord defenderá no livro em questão aquela que seria a marca institucional e a agenda política do Maio de 1968: o autonomismo dos conselhos operários. A agenda do movimento social insurrecto no Maio de 1968, tinha variáveis de auto-organização resolvidas diretamente nos fatos nascidos no dia a dia das barricadas das lutas anticapitalistas dos estudantes e trabalhadores, mas é inquestionável a presença teórica ou pelo menos a influência política dos situacionistas no cotidiano dessas lutas.
É importante frisar que não foi a fome que levou os estudantes à revolta, o fato é que não havia uma cisão econômica brutal na sociedade, o que levou os estudantes às ruas e às lutas por sua agenda foi a recusa generalizada da sociedade capitalista tecnocrática e ao recusar o modelo capitalista recusavam também os chefes que organizariam em grande parte os fundamentos lógicos – institucionais, principalmente as representações sindicais e os partidos políticos ditos de esquerda. Nos dias seguintes às primeiras lutas estudantis, como um incêndio social os trabalhadores das maiores firmas industriais e comerciais do país paralisam seus trabalhos em favor da greve geral, no dia 13 de maio foi convocada uma greve geral de um dia em solidariedade aos estudantes. Mais de um milhão de pessoas foram às ruas. As principais centrais sindicais tentaram organizar o fim da greve geral já no dia 13, mas nada conseguiram. Na tarde do dia 14, os trabalhadores começavam a ocupar as principais fábricas do país (a primeira fábrica a ser ocupada foi a Sud Aviation, em Nantes, na noite do dia 14). Com as ocupações de fábricas os estudantes que já ocupavam a Sorbonne decidem apoiar as greves operárias. Nesse processo de solidariedades ampliadas, estudantes e trabalhadores uniram-se num só bloco, num só movimento social como nunca se vira na França desde a Comuna de Paris de 1871. Dessas solidariedades as lideranças políticas dos sindicatos e dos partidos políticos, principalmente do PCF foram imediatamente derrotadas.
Enfim, como já afirmado, o maior significado histórico do Maio de 1968 foi a espontaneidade da auto-organização social, termo esse que apresentava ao mundo uma nova prática política: a autogestão social generalizada.
As revoltas acontecidas na periferia de Paris e de outras cidades francesas em outubro e novembro de 2005 não podem ser associadas às experiências das lutas sociais acontecidas no Maio de 68. Primeiro porque não houve um confronto explícito – que denotaria a marca política do poder social contra o poder político do Estado, é certo que quase nove mil carros foram incendiados nas ruas, mas os confrontos com as forças repressivas do Estado estiveram praticamente ausentes. Segundo porque a natureza da revolta determinou-se por questões fundamentalmente racistas do Estado e da sociedade francesa frente aos jovens pobres de origem africana (e de outras regiões do Leste europeu) definidos pelas agências de emprego como CLD (créve-la-delle ou quebra-pedras). Os acontecimentos de 68 demarcaram a luta por uma outra sociedade, a luta contra a inclusão na lógica alienada do capitalismo tecnocrático; os acontecimentos de 2005 caracterizavam a luta contra a exclusão imposta pela sociedade capitalista. Em 1968, estudantes e trabalhadores desenharam as possibilidades da transformação revolucionária comunista, em 2005 os jovens trabalhadores das periferias lutavam por empregos e pela inclusão na sociedade capitalista. Nesse sentido, os dois fatos são diametralmente opostos. Reduzir comparativamente o fenômeno social de 2005 aos acontecimentos do maio de 1968 é um profundo equívoco histórico, já que são fatos diametralmente opostos nos seus significados políticos.


Referências:
Debord, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
Dumontier, Pascal. Lês Situationnistes et Mai 68 – theorie et pratique de la revolution (1966 – 1972). Paris: Éditions Ivrea, 1995.
Gombin, Richard. As Origens do Esquerdismo. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1972.
INTERNATIONALE SITUATIONNISTE 1958 – 1969 (texte integral des 12 numéros de la revue). Paris: Librairie Arthème Fayard, 1997.
Lefebvre, Henri et alli. A Irrupção – a revolta dos jovens na sociedade industrial: causas e efeitos. São Paulo: Editora Documentos, 1968.
Quattrocchi, Ângelo & Nairn, Tom. O Começo do Fim: França, Maio de 68. Rio de Janeiro: Record, 1998.
SOLIDARITY (Maurice Brinton). Paris: Maio 68. São Paulo: Conrad Editora do Brasil (ebooklibris –
www.baderna.org)