"Quando os jovens de uma nação são conservadores, o sino de seu funeral já tocou" Henry Ward Beecher

"Quando os jovens de uma nação são conservadores, o sino de seu funeral já tocou"
Henry Ward Beecher

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Direito a terra: Justiça suspende liminar e mantém Kaiowás em suas terras

Em meio a tensão envolvendo o conflite entre indígenas e os latifundiários, juiz derruba liminar que determinava desocupação das terras. 


A ministra da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, Maria do Rosário, informou que foi suspensa a liminar que beneficiava produtores rurais no conflito com a população indígena dos Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul.
A informação foi divulgada na tarde desta terça-feira (30) pela página da ministra na internet:
“Acabamos de receber decisão judicial q suspende reintegração de posse do território dos Guarani-Kaiowá. Recurso do Gov.Federal foi acatado!” (Agencia Brasil, 30/10/2012).
O ministro da Justiça, Eduardo Cardozo, em reunião com membros da etnia na Secretaria de Direitos Humanos da Presidência confirmou a decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP e MS) que cassou a liminar. 
Apesar, no entanto, da comemoração da ministra diante da decisão judicial, a situação ainda não está estabilizada, muito menos encerrada. A qualquer momento, a suspensão da liminar pode ser derrubada por outra medida jurídica, ou seja, a população indígena não deve se apoiar nessa decisão como forma de garantir o direito a terra.
O ministro da Justiça ainda enviou o reforço de policiais e viaturas da Força Nacional de Segurança para patrulhar a área.
Até agora, nenhuma medida efetiva foi tomada para evitar o massacre que está em marcha e impedir a violência dos latifundiários contra os índios.
Os índios sem terra que estão acampados na fazenda Cambará continuam vivendo em estado de sítio. As milícias dos fazendeiros permanecem fazendo ameaças e rodando o acampamento da tribo.
A liminar que foi acatada pelo juiz federal, Henrique Bonachela, movida pelo latifundiário Osmar Bonamigo, foi responsável pela determinação da desocupação da fazenda, revelando o poder dos latifundiários em manipular a Justiça.
Os trabalhadores sem-terra, a comunidade indígena, portanto, deve se manter vigia e se organizarem sob todos os meos necessários para impedir o massacre.
É necessário que as organizações democráticas e dos trabalhadores da cidade e do campo façam uma ampla campanha pelo direito e defesa dos povos indígenas diante dessa ofensiva do latifundiários e dos empresários do agronegócio.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Colômbia: Deslocamentos forçados atingiram 11 mil indígenas em 2012

Nos primeiros novos meses deste ano, segundo a Organização Nacional Indígena da Colômbia (Onic), houve 78 assassinatos e 47 ameaças de morte


A Organização Nacional Indígena da Colômbia (Onic) revelou que cerca de 11 mil indígenas sofreram deslocamentos forçados, 78 foram assassinados e 47 receberam ameaças de morte nos primeiros nove meses de 2012.  A maior parte desses atos de violência foi atribuída a grupos insurgentes e às forças de segurança.
“A dinâmica de violência em 2012 se mantém sob tendências semelhantes à dos anos 2010 e 2011”, indicou a Onic.
Para esse ano, no entanto, “constatam-se modificações alarmantes nas cifras, especialmente o aumento dos deslocamentos forçados massivos por causa dos constantes combates em território indígena entre grupos armados legais e ilegais”, enfatizou a organização.
O estudo, elaborado pelo Conselho de Direitos Humanos da Onic, mostra que o povo mais afetado pela violência nos primeiros nove meses de 2012 foram os nasas ou paeces, assentados no norte do departamento de Cauca (sudoeste), com 26 assassinatos e quatro mil pessoas deslocadas.
Os líderes nasas declararam-se, no meio do ano, em “resistência permanente” para exigir a retirada dos “atores armados” presentes em seu território ancestral.

O segundo povo mais afetado pelas mortes violentas foi o emberá do Chocó (noroeste), com 24 casos de assassinato.
Além disso, o estudo também registrou que, dos 11 indígenas desaparecidos nas mãos de grupos paramilitares, cinco eram do povo Awá, assentado em Nariño, departamento na fronteira sul do Equador.
A situação agudizou-se nos últimos tempos e tem sido objeto de rechaço e denúncia por parte do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, segundo a Onic.
Diante dessa situação, a organização solicitará à Corte Penal Internacional (CPI) que assuma “um papel ativo” a respeito da situação dos povos indígenas da Colômbia.
O assassinato mais recente na comunidade indígena foi o do líder da etnia emberá, Leovigildo Cunampia Quiro, presidente do Conselho Maior da Costa Pacífica, ocorrido em 21 de outubro na comunidade de Jagua-Río Chorí, em Chocó, informou a organização.
Neste episódio violento também ficou ferido o promotor de saúde comunitária José Manuel Variquira, que acompanhava o líder da etnia.

Em 2011, 118 indígenas foram assassinados na Colômbia, país de cerca de 46 milhões de habitantes e, segundo as projeções do censo para 2012, tem uma população aborígene de mais de 1,3 milhão de pessoas distribuídas em 102 povos.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Salvar os Guarani-Kaiowá?

O grito dos Guarani de Mato Grosso do Sul é o mesmo grito do cacique da etnia Taíno, Hatuey, que, em 1511, poucos anos depois da invasão, ao descobrir que o deus verdadeiros daqueles homens era o ouro, viajou desde o Haiti até a ilha de Cuba, com 400 guerreiros, para avisar que o que chegava pelo mar era a destruição


Aprendi com meu irmão, há muitos anos, que não há nada pior no humano do que a hipócrita (por vezes não intencional) musculação de consciência. E isso é coisa que acontece muito no meio daqueles que estão no topo ou no meio da pirâmide social. Olham para o sofrimento dos pobres - a comunidade das vítimas do sistema - como se fossem coitadinhos, e sentem pena. Podem até chorar diante de uma foto ou de uma dada situação. E desde sua pena, buscam ajudar, musculando a consciência. Um quilo de arroz numa campanha para vítimas da enchente, um agasalho para as entidades filantrópicas, uma doação ao “criança esperança”. Depois, consciência musculada, voltam a vida normal, certas de que fizeram tudo que podiam fazer. Arrisco dizer: isso não é suficiente. Apazigua a consciência, mas não muda as coisas.
Detectei essa reação nesses dias em que se resolveu prestar atenção ao sofrimento indígena. Um grupo de índios Guarani, do Mato Grosso do Sul, que desde há 500 anos vêm observando a estranha mania dos cristãos – seus dominadores - em se purificar no sacrifício, resolveu expor a chaga aberta do sofrimento de sua gente numa concreta vivência sacrificial. Ou lhes deixam viver nas suas terras, ou se matam, em grupo. Ato extremo, sofrimento extremo, decisão extrema. Então, como que atiçados pelo sempre excitante momento do sacrifício, as gentes brasileiras decidiram começar a falar do “absurdo” que é essa desesperada decisão. Assim, terminada a novela das oito, que segundo algumas vozes “parou o país”, agora as redes sociais e todos os que têm espaço de voz nos meios começaram a discutir a questão dos Guarani que estão prometendo se matar. Sinto aí certo cheiro de musculação de consciência.
O grito dos Guarani de Mato Grosso do Sul não é o primeiro nem será o último. Desde o momento em que os povos originários perceberam que a cruz e a espada que chegavam com os homens do além-mar eram armas de opressão, a luta pela manutenção do direito de viverem na sua terra, com seus deuses e do seu jeito, começou. Ao longo dos anos, com a colonização europeia, milhões de pessoas foram assassinadas, das formas mais cruéis, simplesmente porque atrapalhavam o caminho para o ouro e as riquezas do novo mundo. Essa gente desesperada que hoje grita em agonia por um naco de terra onde descansar a cabeça, é a mesma gente que antes da invasão aqui vivia em fartura, nas grandes cidades como Tenochtitlán, Cuzco, Tiuahanaco, maiores e mais populosas que Madrid, Lisboa ou Florença no mesmo tempo. Eram homens e mulheres que conheciam a astronomia, a matemática, a hidráulica, a engenharia. Eram os que experienciavam uma forma de vida comunitária, na qual ninguém passava fome, no mesmo tempo em que na Europa medieval as pessoas padeciam de fome crônica. E foram eles os considerados sem alma, os passíveis de todo o tipo de selvageria e escravidão, porque não falavam a língua espanhola ou portuguesa e professavam outra fé, na variedade dos deuses.
O grito dos Guarani de Mato Grosso do Sul é o mesmo grito do cacique da etnia Taíno, Hatuey, que, em 1511, poucos anos depois da invasão, ao descobrir que o deus verdadeiros daqueles homens era o ouro, viajou desde o Haiti até a ilha de Cuba, com 400 guerreiros, para avisar que o que chegava pelo mar era a destruição. Não foi escutado. Mesmo assim se dispôs a lutar contra os espanhóis e só parou quando foi capturado e morto na fogueira. Foi vencido pela força dos arcabuzes, tendo seu povo sido dizimado em castigo. Esse grito segue aí. Também continuam ressoando os gritos de Cuauhtemotzin, no México, quando em 1520 igualmente iniciou a resistência contra os espanhóis que haviam assassinado milhares na cidadela de Montezuma, e os de Ruminahuia, que na região de Quito também se levantou em rebelião contra os que queriam destruir seu mundo e o dos seus. E o que dizer dos Tamoios no Brasil de 1562, que chegaram a constituir uma confederação para enfrentar a vilania portuguesa?
Pois essa gente tem gritado, lutado, batalhado, peleado desde os primeiros momentos da invasão. E, desde sempre esses gritos foram abafados, porque os indígenas não eram vistos como seres capazes de gerir suas vidas. Eram homens e mulheres dominados que tinham de se render calados e servis. Só que nunca foi assim. A batalha pelo continente segue aí, desde então.
Mas, como sempre acontece, os vencedores impõem suas razões. Os povos indígenas foram dizimados em nome do progresso e do bem estar dos invasores. Os que valentemente sobraram acabaram confinados em reservas, ora como bichos raros, ora como coitadinhos e incapazes. Integrar o índio à sociedade passou a ser o mantra dos caridosos vencedores. E os que acreditaram no engodo já viram o que sucedeu. Incorporados a uma sociedade racista, patriarcal, capitalista, seguem sendo vistos como seres inferiores, mesmo os que chegaram aos mais altos postos da estrutura social. Índios, os seres sem alma.
Há poucos anos o país acompanhou a polêmica da reserva Raposa Terra do Sol, uma imensidão de terra indígena que os originários lograram garantir para si. Quem não se lembra dos ferozes argumentos da distinta sociedade pensante? “Para quê tanta terra para índios? O que eles vão fazer com isso? Vão destruir tudo e vender as madeiras.” Esse era o diapasão dos caridosos brasileiros. E as batalhas pela região do Xingu que estão aí, se arrastando há anos, sem que ninguém se apiede das almas das gentes que vão perder seus rios, seus deuses, seu território em nome de uma barragem para gerar energia aos estrangeiros. E os mesmos piedosos argumentam que “essa gente” (os índios) é o atraso, a decadência, o anacrônico, incapaz de ver a importância do progresso que virá com a devastação da Amazônia.
É que esses índios são os que, por estarem em grandes grupos e articulados com movimentos sociais, lutam. Travam a boa batalha contra a destruição do seu modo de vida. E como valentes guerreiros precisam enfrentar as armas inimigas que já não são só arcabuzes e cavalos. Vêm acompanhadas da mídia que fortalece pré-conceitos e visões pré-determinadas do poder. Esses, os “arruaceiros”, não são dignos de piedade por parte da sociedade que fica em frente à TV musculando sua consciência.
Então, das entranhas do cerrado mato-grossense, um pequeno grupo de Guarani-Kaiowá, que luta desde há anos por demarcação das terras, sofrendo violência, mortes, assassinatos, desaparição e o sistemático suicídio de seus jovens guerreiros, resolve usar a última arma que lhe resta: o próprio corpo, sua humanidade, o corpo coletivo de toda a gente. O drama dessas famílias vem sendo denunciado ano após ano pelos Cimi, por jornalistas, por estudiosos, por todos os que se importam, mas nunca tocou o coração das maiorias. O ataque diário dos fazendeiros, a violência da justiça local que não os escuta, o preconceito e o ódio dos que vivem na cidade, picados pela ideia de que os índios só atrapalham o progresso, tudo isso é tema de debate e denúncia nos fóruns de luta social. Mas, nunca houve piedade. As terras seguem sendo griladas, roubadas, subtraídas dos índios. A vida foi se extinguindo, o espaço se apequenando. Foi preciso um ato extremo, uma decisão de desespero, para que a nação se voltasse para esses que são os cordeiros de um novo sacrifício. Agora sim é a hora da compaixão. Os “atrasados” não estão armados, não estão em luta, não fazem arruaça. Eles desistiram. Não têm mais força. São muito poucos, estão sozinhos. Eles desistiram. Já não são mais “perigosos”. São apenas as ovelhas do sacrifício. Eles desistiram. Estão vencidos. Então, por esses sim, podemos rezar, chorar, nos apiedar. Sepulcros caiados. Sociedade apodrecida.
Arrisco dizer que os Guarani-Kaiowá sabem muito bem dessa hipocrisia ocidental, dessa pantomima que os piedosos gostam de fazer para parecerem bons. Ah, eles conhecem essa psicologia desde há 500 anos. E, agora, se valem disso para expor o seu drama e para testar a “bondade” branca. Mas, eles não estão brincando. Seu grito de agonia ecoa anos a fio. Nada nunca foi feito. Já basta. Não há sentido viver quando a vida não pode se fazer real. Diante de uma justiça que protege o rico, o grileiro, o ladrão; diante de uma sociedade que vê como normal a miséria e o abandono de famílias inteiras na beira da estrada; diante do opressivo preconceito que as pessoas da cidade manejam cotidianamente, o que fazer? Se vida não há, porque preservar um corpo? A lógica da simplicidade.
E os Guarani-Kaiowá colocam a sociedade brasileira diante de um dilema também. Salvá-los não basta. Definir uma terra para aquelas famílias não significa o fim do drama indígena no Brasil. O apressado movimento dos atletas de consciência em demarcar áreas para essas famílias em particular não acomodará as tensões que eclodem todos os dias nas áreas permanentemente em disputa entre indígenas e grileiros ou entre indígenas e Estado. Há que ultrapassar esse limite da resolução de um drama singular. Há que se colocar de frente com todos os conflitos. Há que se compreender a realidade indígena, conhecer seus costumes, seus deuses, seu modo de organizar a vida. Salvar os Guarani-Kaiowá de Mato Grosso do Sul não pode ser só um ato a mais de musculação de consciência, praticado numa situação específica, com um grupo específico. O drama indígena em “nuestra américa”, inaugurado com a valentia de Hatuey, atravessando perigosas ondas do Haiti até Cuba para anunciar a desgraça e conclamar a união na luta, não se esgota naquele grupo de homens, mulheres e crianças que hoje assumem a condição de cordeiros de sacrifício. Os indígenas não precisam de nossa pena, nem da nossa comiseração. Eles só precisam ser respeitados nos seus direitos e na sua vontade de ser quem são.
Os Guarani-Kaiowá estão a dar uma lição. Quem tiver ouvidos para ouvir, que ouça. E aprenda!

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Documentos revelam que EUA testou armas químicas nos seus cidadãos e cidadãs


Estados Unidos - Cuba Debate - [Tradução do Diário Liberdade] Segundo um relatório da professora da Universidade de St. Louis, Lisa Martino-Taylor, que revela vários documentos secretos do Exército estadounidense na época da Guerra Fria, o Governo de EUA testou armas químicas com seus cidadãos.

Nos EUA, está madurecendo um escândalo em torno das provas secretas que realizavam as Forças Armadas do país nos anos da Guerra Fria. De acordo com a Operação LAC ("Large Area Coverage"), nos anos 1950 e 1960 o Exército dos EUA dispersou partículas microscópicas de sulfuro de zinco-cádmio (ZnCdS) sobre a maior parte do país, com o fim de determinar a velocidade de dispersão e a distribuição geográfica da substância.
No momento da pulverização, o cádmio foi reconhecido como uma toxina. Um outro projeto secreto do Exército dos EUA é conhecido como "Manhattan-Rochester" (MRC) -pelo nome do grupo de pesquisa que o descobriu-, também usou o ZnCdS, mas desta vez a substância estava unida com o rádio. Este teste realizou-se na cidade de St. Louis, Missouri.
A população local foi na altura informada de que eram os ensaios para a criação de uma cortina de fumaça em caso de um ataque das tropas soviéticas. Segundo Martino-Taylor, este estudo secreto utilizou "uma área urbana, onde residiam as pessoas de baixos rendimentos, predominantemente negras, 70% delas crianças menores de 12 anos".
St. Louis foi eleita como alvo deste desafortunado teste porque era muito similar, por seu planejamento urbanístico, às cidades soviéticas.
Mas isto não foi tudo, seguindo este projeto, uma empresa de Nova Jersey desenvolveu uma pintura radiativa que brilhava na escuridão, que foi introduzida no trabalho de uma fábrica de relógios. Os trabalhadores ingeriam o rádio lambendo seus pincéis para pintar uns detalhes nos relógios, porque se lhes disse que a tinta não era daninha.
Este ato provocou uma série de doenças de câncer. E dezenas de anos depois, o local onde se encontrava a central segue estando poluído e ainda afeta as pessoas que vivem nas redondezas.
Depois da saída do relatório, os senadores de Missouri, Clare Macaskill e Roy Blunt, exigiram explicações ao Pentágono.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

A falência da esquerda pequeno-burguesa - Psol: sublegenda do PSDB e do DEM

A fraude dos partidos da chamada “Frente de Esquerda” fica evidente na aliança do Psol e PSTU com o PCdoB e o PT em Belém e com o PSDB e o DEM em Macapá, no apoio de Plínio de Arruda Sampaio à candidatura de José Serra 

Em 2008, o Psol já havia realizado 21 coligações com partidos burgueses, que são em sua maior parte legendas de aluguel do PSDB e do DEM. 
No ano passado, o Congresso Nacional do Psol autorizou a realização de alianças com “outros partidos”, além da chamada “Frente de Esquerda”, PSTU e PCB.
Naquele Congresso, ficou sido definido ainda que seriam “prioritárias para o PSOL as disputas pelas capitais do Pará, Amapá e Rio de Janeiro, em função do acúmulo partidário e das grandes potencialidades de vitórias político-eleitorais existentes nessas cidades”. Ou seja, o partido autorizou as alianças já enxergando pela frente a possibilidade de eleger prefeitos nas eleições com a ajuda dos partidos da burguesia.
Em Belém, Psol e PSTU se coligaram ao PCdoB, partido burguês que faz parte do governo pró-imperialista do PT. Nesta coligação, o PSTU recebeu prioridade na disputa proporcional e elegeu Cleber Rabelo à Câmara Municipal da capital paraense. Lá, 80% da campanha da coligação nestas eleições foi financiada por capitalistas, sobretudo, da construção civil, ramo no qual o próprio candidato do PSTU é presidente do sindicato dos trabalhadores.


Em Belém, o novo aliado da ex-“Frente de Esquerda” é o PT



Em Belém, o novo aliado da coligação Psol-PSTU-PCdoB é o PT. No último dia 10, o apoio do candidato do PT, Alfredo Costa, foi motivo de comemoração dos integrantes da coligação.

“O professor Alfredo fez um campanha de alto nível e o PT é um dos partidos mais importantes do país e de Belém. Pesquisas mostram que é uma legenda ainda muito querida”, declarou Edmilson.  O mesmo Edmilson que foi apresentado pelo PSTU como  um candidato “operário” e “socialista”.
A presença do PCdoB, , que evidencia o caráter governista e burguês desta coligação, foi minimizada pelo PSTU. Agora, com o apoio de Lula e Dilma pessoalmente, a farsa cai por terra.
A direção do PT teria ainda proposto ao Psol a presença do ex-presidente Lula no palanque de Edmilson no segundo turno e, em troca, espera o apoio do Psol no segundo turno na cidade de Niterói, no Rio de Janeiro.


Incorporando propostas do DEM



Em Macapá, a coligação “Unidade Popular” inclui Psol, PCB, PPS, PV, PMN, PRTB e PTC. A aliança feita com partidos burgueses e direitistas ganhou o apoio no segundo turno dos dois principais partidos da burguesia brasileira: PSDB e DEM.

DEM, PSDB e PTB fazem campanha para eleger Clécio Santos (Psol) na disputa contra o atual prefeito Roberto Góes (PDT). O candidato do DEM declarou que se trata de uma “aliança pela moralidade”. Na realidade, a aliança mostra que o governo do Psol no estado nada mais é que uma parte da tradicional operação de pilhagem do Estado e de combate às massas populares, comum a todos os partidos burgueses participantes do regime político atual.
A esquerda pequeno-burguesa caiu de cabeça na onda direitista do “combate à corrupção”. Ao se aliar ao DEM e ao PSDB nessa campanha, a esquerda cumpre o papel de oposição de direita ao governo do PT.  Quando não faz oposição de direita ao PT, o Psol se alia diretamente ao PT, como é o caso em Belém.
O combate à corrupção sempre foi a pauta da direita. Em nome do combate à corrupção, os militares depuseram João Goulart com o golpe militar de 1964. A direita utiliza a bandeira anticorrupção para conquistar o apoio de uma parcela da classe média contra a esquerda e, nesse momento, contra o PT.
“Para ganhar eleições é preciso fazer alianças”, afirmou o candidato do PSOL em Macapá, mostrando que não há nenhum constrangimento em se aliar à direita.
“No segundo turno não há coligação, nem alianças formais. Os candidatos do DEM e do PCdoB fizeram uma campanha que também reivindicava mudanças, então foi natural que eles declarassem apoio a mim. Não tinha como eles baterem no atual prefeito e apoiá-lo no segundo turno”, explicou Clécio Santos. A grande questão é saber quais são estas mudanças defendidas pelo Psol, DEM e PSDB.
“Não discutimos a adesão desses partidos ao governo, o apoio deles não está vinculado a isso. Eles apenas querem que o projeto que combateram no primeiro turno não continue”, tentou explicar o candidato, depois de dizer: “Aceitamos acolher algumas propostas pragmáticas do programa dele (do candidato Davi Alcolumbre – DEM)”.
As explicações de Clécio, no entanto, foram desmentidas por  quem costurou o acordo, o senador do Psol Randolfe Rodrigues, que no Senado possui uma história de votações em comum com o PSDB e o DEM.
“Uma aliança política, e sim um caminho novo para a política no Amapá; é uma aliança para ganhar a Prefeitura no último domingo deste outubro, mas é também para governar em conjunto, unindo ideias e propostas de Clécio e demais lideres para Macapá dar a volta por cima”, declarou Randolfe. Mais claro que isso é simplesmente impossível. O que temos é a aliança de partidos que se dizem de esquerda com a tradicional direita neoliberal, imperialista, defensora dos torturadores e do genocídio da população;  corrupta e repressora, inimiga dos direitos democráticos do povo.


Direção nacional do Psol defende aliança com o DEM e o PSDB



“Não podemos ter nenhuma conversa com partidos como DEM e PSDB, mas não temos como interferir em quem eles desejam apoiar”, declarou Pedro Ruas, presidente do Psol no Rio Grande do Sul, que critica apenas a forma como foi feita a  aliança, ou seja, incorporando as propostas do DEM.

No Rio Grande do Sul, em São Lourenço e Montenegro, os candidatos do Psol tentaram se eleger com apoio da direita, os partidos do DEM e do PR. Em Montenegro, o caso aguarda decisão do Tribunal Superior Eleitoral, uma vez que a direção do partido no estado obteve ganho de causa ao pedir que a aliança fosse apenas entre Psol e PDT, outro partido burguês, mas a coligação recorreu em segunda instância e foi vitoriosa.
O presidente do Psol, Ivan Valente, também saiu em defesa, de maneira mais discreta, ao apoio recebido por partidos da direita nacional, como PSDB e o DEM (ex-PFL, ex-Arena).
“Sobre a questão de Macapá, a executiva nacional irá discutir nessa semana a forma como foi feita a declaração de apoio (num ato político com as lideranças envolvidas). Mas não existe aliança (com DEM e PSDB), e sim uma adesão de segundo turno”, fantasiou Ivan Valente, tentando justificar a aliança com a direita.
O ex-candidato à Presidência da República pelo Psol, o paulista Plínio de Arruda Sampaio também defendeu as alianças em Macapá e Belém: “São cidades onde temos condições fortes de vencer a eleição. Nesse momento, os adversários se unem, então nossos candidatos também estão obtendo apoios”, declarou.
Sobre a aliança em Macapá, Plínio declarou ainda: “É um caso muito particular e diz respeito a um lugar remoto num estado muito pequeno, de modo que, nesse caso, se fez uma vista grossa”.


Integrantes do Psol pedem que o partido “reveja” a política de alianças com a direita



Em nota, alguns integrantes do Psol manifestaram seu pesar com a aliança com o DEM.

A nota começa relatando os grandes feitos do Psol nas eleições. “Nas eleições de 7 de outubro, o PSOL conquistou uma vitória política indiscutível. Apresentando-se pela esquerda, o partido ampliou de forma muito significativa suas votações”.
“DEM, PTB e PSDB estão na lista de partidos com os quais o DN (Diretório Nacional) do PSOL proibiu qualquer aliança nas eleições de 2012. Se esta aliança se mantiver, representará uma mancha que envergonhará e indignará todo o PSOL”, declaram os signatários, entre os quais Carlos Gianazzi (candidato a prefeito de S. Paulo), João Batista Babá, Gelsimar Gonzaga (Prefeito eleito de Itaocara-RJ), Raul Marcelo, Roberto Robaina entre outros.
Encarecidamente, os signatários pedem que a aliança seja “revertida”: “A desastrada política encaminhada em Macapá deve ser revertida, ou os responsáveis por ela deverão ser sancionados pelo partido. Se não adequarem sua atuação à linha do partido, não deverão ter lugar nas suas fileiras”.
Assim como faz o PSTU, que joga a culpa no Psol pelo financiamento dos empresários à coligação dos dois com o PCdoB em Belém e apenas pede para que ele “reveja” esse tipo de política, os “desgarrados” do Psol pedem que seus integrantes no Macapá “revejam” sua postura.
Fica evidente a fraude que são os partidos que compunham a chamada “Frente de Esquerda”. A “Frente de Esquerda”, nestas eleições, está com o DEM e o PSDB em Macapá e com o PCdoB e o PT em Belém.

domingo, 21 de outubro de 2012

Guarani: indígenas são atacados por pistoleiros em Potrero Guasu

Famílias que retomaram 2 mil hectares do seu tekohá - terra sagrada -, na divisa com o Paraguai, estão sob novo ataque de pistoleiros"

As famílias Guarani que retomaram 2 mil hectares do tekohá - terra sagrada - Potrero Guasu no último sábado, 13, estão, desde o fim da tarde desta quinta-feira, 18, sob novo ataque de pistoleiros. O território fica no município de Paranhos, Mato Grosso do Sul, na divisa com o Paraguai.

Segundo relato de indígenas que estão no local, a ação dos pistoleiros começou ontem, 17, quando homens armados invadiram o acampamento, atirando para o alto. Enquanto os indígenas corriam do local, os pistoleiros levaram os pertences das famílias e atearam fogo em todos os barracos.

Hoje, pela manhã, quando as famílias voltaram ao acampamento para reconstruí-lo, um grupo de pistoleiros apareceu.

"Houve conflito com os pistoleiros", relata o Guarani Timóteo Pires. "Eles chegaram cheio de arma. Nós não temos nenhuma. Na correria um [pistoleiro] ficou e nós conseguimos segurar. Chamamos a Força Nacional e entregamos ele".

Segundo Timóteo, ninguém ficou ferido. O problema foi quando a Força Nacional deixou o local e os pistoleiros voltaram à área retomada.

"Agora estamos em frente aos pistoleiros armados. Estamos frente a frente do pistoleiro. Eles estão pocurando as lideranças. Elas estão escondidas porque eles está querendo pegar". Segundo Timóteo, cerca de 20 pistoleiros estão no local. Há poucos metros, cerca de 50 adultos com suas crianças permanecem no local.

"A gente vai ficar acordado em frente aos pistoleiros. Vamos ficar fazendo a segurança. Sabemos que pode acontecer alguma coisa."

Os indígenas demandam a volta da Força Nacional ao local.

A dura realidade do trabalho infantil doméstico

Ainda hoje o trabalho infantil doméstico se confunde com solidariedade e relacionamento familiar em lares brasileiros


   
  Em 2008, cerca de 320 mil crianças de 10 a 17 anos realizavam
trabalhos domésticos, segundo a Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílio - Fotos: João Roberto Ripper / Imagens Humanas
   

Sem perspectivas no sertão da Bahia, aos 15 anos, uma retirante chega a Ilhéus para buscar trabalho em casas de família. Acaba virando cozinheira na casa do árabe Nacib, onde começa propriamente a história de “Gabriela, Cravo e Canela”, romance consagrado de Jorge Amado, encenado várias vezes no cinema e na TV.
A história de Gabriela, muito viva no imaginário popular brasileiro, parte de uma situação tão comum para a sociedade da época que até hoje ainda passa batida para quem se envolve com o livro: o trabalho infantil doméstico.
Num Brasil bem mais moderno e onde o trabalho infantil já era proibido, em 2008, cerca de 320 mil crianças de 10 a 17 anos realizavam trabalhos domésticos, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio do IBGE. Em 2001, estudo da Organização Internacional do Trabalho apontou que mais da metade (64%)  das 500 mil crianças trabalhando no serviço doméstico então recebiam menos de um salário mínimo por uma jornada superior a 40 horas semanais e 21% tinham algum problema de saúde decorrente do trabalho.
Barreira cultural
Ainda hoje o trabalho infantil doméstico se confunde com solidariedade e relacionamento familiar em lares brasileiros. Em regiões onde convivem famílias pobres e ricas, é comum a divisão do trabalho na cidade ou na fazenda se estender à figura do “afilhado” ou “filho de criação”, geralmente o filho do empregado ou do parente mais pobre que vai à cidade para “ter mais oportunidades” e cuidar da casa e das crianças da família.
“O trabalho infantil doméstico é visto mais como caridade do que como exploração. Isso não mudou”, conta Renata Santos, pedagoga do programa de enfrentamento ao trabalho infantil doméstico (PETID) do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca-Emaús), em Belém. Segundo ela, famílias de classe média da capital ainda recebem mão-de-obra do interior do Estado; no interior, a zona urbana emprega as crianças da zona rural.
Renata lembra das primeiras reuniões de conscientização no início do programa, há 13 anos: “Era horrível. Fazíamos palestras em igrejas e anúncios no rádio para tentar sensibilizar as patroas, e elas não entendiam”, conta.
Ativo na região metropolitana de Belém e em quatro outras cidades do Pará, o Petid hoje entrou em sua terceira fase. “Agora fazemos uma campanha mais incisiva. Antes era uma questão de sensibilização, de explicar o problema, e agora nós dizemos claramente que quem emprega mão-de-obra infantil está sujeito a penalidades”, explica Renata.
O trabalho doméstico é tão fortemente enraizado nas práticas sociais brasileiras que chegou a ser contemplado no Estatuto da Criança e do Adolescente, instituído em 1990 – o ECA determinava regularização da guarda do adolescente empregado na prestação de serviços domésticos. Esse artigo (248) é considerado tacitamente revogado desde 2008, quando o Brasil aprovou a lista de piores formas de trabalho infantil, proibidas para adolescentes com menos de 18 anos.  Entre elas está o trabalho doméstico.
O ministro Lélio Bentes, presidente da mais alta corte trabalhista do Brasil, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), reforça a necessidade das campanhas – incisivas, como diz Renata – de conscientização na área. “Quando se diz que uma criança é levada ao trabalho infantil para ser protegida, para ter oportunidade de estudo – isso é balela, é um discurso construído para justificar a exploração”, afirma. “O que me parece mais eficaz na questão do trabalho infantil doméstico, sem sombra de dúvida, é a conscientização: as pessoas precisam se indignar com a violação dos direitos das crianças e dos adolescentes”.
Características e riscos do trabalho infantil doméstico
Enquanto, em geral, o trabalho infantil atinge mais meninos do que meninas, quando se trata de trabalho doméstico a situação se inverte e fica mais aguda: 94% das crianças e adolescentes trabalhando em casas de família são meninas, segundo a PNAD de 2008.
Com mais de dez anos de experiência no combate ao problema Renata aponta o que considera o maior problema enfrentado pelas meninas que trabalham cuidando da casa ou dos filhos de alguém. “A criança que faz o trabalho infantil doméstico é privada do convívio com sua família e sua comunidade, não é uma situação natural para ela”, explica.
A OIT cita ainda como os riscos mais comuns presentes na vida dessas crianças a submissão a jornadas longas e muito pesadas de traballho, salários baixos ou inexistentes e uma grande vulnerabilidade ao abuso físico, emocional ou sexual.
Renato Mentes, coordenador nacional do Programa para Erradicação do Trabalho Infantil da Organização Internacional do Trabalho (OIT), concorda: “Muitas trabalhadoras domésticas que vêm de uma situação de trabalho infantil têm um perfil mais submisso e introvertido, características desenvolvidas por uma criança ou adolescente que assume um papel de adulto dentro de casa”, afirma. De acordo com ele, uma menina que presta serviço doméstico dificilmente encontra ou tira proveito de oportunidades educativas e de desenvolvimento pessoal.
A defasagem escolar de crianças que fazem serviço doméstico também é muito acentuada, o que também compromete as perspectivas de futuro. Estudo de pesquisadores das Universidades Federais da Paraíba e de Pernambuco publicado na revista Psicologia e Sociedade em 2011 mostrou que 80% das crianças que faziam trabalho doméstico já tinham sido reprovadas; metade dessas crianças atribuíram as dificuldades de desempenho a dificuldades de relacionamento ou adaptação, e 26% delas citaram expressamente o trabalho como fator principal.
Hoje, a principal frente de ação do CEDECA-Emaús no Pará é justamente a escola. “Nossa experiência mostrou que na maioria das vezes a escola sabe da situação da criança, mas não faz a denúncia”, afirma Renata.
Por isso, a estratégia da organização mudou: hoje, oito grupos de jovens, muitos deles ex-trabalhadores domésticos, fazem ações diretas de prevenção em escolas cujos alunos enfrentam o problema. Eles dão palestras sobre o tema dos direitos da criança e do adolescente em escolas, abordam a questão do trabalho doméstico e se aproximam da realidade das crianças exploradas.
Dificuldade de fiscalização
Luiz Henrique Ramos Lopes, coordenador da divisão de trabalho infantil do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), admite que o trabalho infantil doméstico é especialmente difícil de se fiscalizar. “Por causa da inviolabilidade domiciliar, não existe uma ação fiscal contra o trabalho doméstico como há em outras áreas. Não se pode entrar na casa de alguém sem um mandado judicial”, explica.
Muitos fiscais, segundo Lélio Bentes, conseguem fazer a fiscalização em espaços públicos onde a criança trabalhadora doméstica circula, como feiras, parques e mercados. São raras as vezes, no entanto, em que criança é encaminhada para a rede de proteção, já que a regulamentação específica para a fiscalização do trabalho doméstico também é mais branda; instrução normativa do MTE prevê que os eventuais flagrantes devem ser tratados com medidas de conscientização, e não propriamente com autuação dos fiscais. Essa instrução normativa, segundo apurou a Repórter Brasil, está sob revisão e deve cair.
Por fim, a própria atividade do trabalho doméstico adulto é alvo de discriminação por parte da legislação brasileira. O registro de empregados domésticos hoje, por exemplo, não contempla o recolhimento obrigatório do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Também há dificuldades em se aplicar o controle de jornada e fazer valer o direito a pausas e horas extras, por exemplo.  A Convenção 189 da OIT para o Trabalho Doméstico, que exige a equiparação dos direitos desses empregados aos dos demais trabalhadores urbanos, aguarda ratificação do Brasil.

sábado, 20 de outubro de 2012

Porque a Europa do euro afunda na crise que ela própria alimenta

A Europa do euro, pela ideologia de seus dirigentes e por sua institucionalidade, mergulhou em um paradoxo

Qualquer pessoa com nível razoável de reflexão é capaz de entender a essência da crise financeira mundial que se concentra, sobretudo, nos países mais ricos do mundo, e principalmente na área do euro. Entretanto, essa percepção fica comprometida por um bombardeio ideológico de mídia que se manifesta ora pela distorção dos fatos ora pela manipulação de conceitos econômicos tendo em vista a defesa de interesses específicos de grupos. Vejamos como isso tem funcionado.

A crise originou-se de uma bacanal especulativa nos Estados Unidos e na Europa pela qual trilhões de dólares emprestados e rolados no mercado virtual de tomadores essencialmente insolventes revelaram-se impagáveis. Diante da quebra iminente, o governo norte-americano, isto é, o Tesouro e o Fed [Banco Central dos EUA] intervieram no mercado para salvar os bancos ilíquidos. A crise financeira privada migrou para a Europa, forçando os governos locais a também intervirem para salvar os bancos.

A contrapartida do socorro aos bancos foi a absorção das suas dívidas pelos governos. No caso norte-americano, o Fed e o Tesouro atuaram conjuntamente, no primeiro caso através de trilhões de dólares de empréstimos de liquidez, e no segundo através de um programa especial (TARF) adotado ainda no Governo Bush, da ordem de 700 bilhões. Além disso, no caso norte-americano, já no governo Obama aprovou-se um programa adicional de 767 bilhões de dólares de estímulos fiscais, que em parte funcionou.

Disso tudo resultou um aumento vertiginoso do déficit e da dívida pública norte-americana, esta alcançando cerca de 90% do PIB. Não é uma dívida nada extraordinária, considerando-se o tamanho da recessão e do desemprego. Contudo, é uma dívida muito grande para o Partido Republicano. Tendo este último ganhado as eleições para a Câmara em 2009, tratou imediatamente de bloquear no Congresso um novo programa de estímulo proposto por Obama em 2010 de 400 bilhões de dólares.

Portanto, os Estados Unidos poderiam ter perfeitamente insistido no programa de recuperação não fosse a postura fundamentalmente ideológica republicana. Isso teria custado alguns pontos percentuais adicionais da dívida pública, os quais seriam provavelmente recuperados com uma aceleração do crescimento e da receita pública, como acontece em todos os ciclos de crises. Afinal, a despeito do valor absoluto da dívida, o país continua financiando-a a taxas extremamente baixas (3,5%). De qualquer modo, é preciso esperar o resultado das eleições para especular sobre qual destino os Estados Unidos escolherão levando boa parte do mundo consigo.

Na área do euro a situação tornou-se bem mais complexa. Os governos, para salvar os bancos, tiveram de levar a níveis recordes o déficit e a dívida pública. O que surgiu como crise financeira devida à pornográfica especulação foi transformada em crise fiscal pelos governos neoliberais. Assim mesmo, teria sido possível enfrentar a crise mediante um programa de estímulo fiscal caso esses governos, justamente por serem neoliberais, não estivessem obcecados pela idéia de cortar o déficit e a dívida.

E aqui não se trata apenas de ideologia, mas da institucionalidade européia estabelecida a partir da ideologia neoliberal. A Europa do euro criou um BCE (Banco Central independente) que se subordina aos mercados privados, não aos governos. Quando um governo, digamos, a Espanha, decide captar empréstimos, aumentando a dívida pública, fica exclusivamente em mãos do mercado financeiro, que exige a taxa de juros que quiser. Diferentemente do Fed americano, que irriga o mercado de moeda para facilitar a colocação desses títulos a taxas mais baixas, o BCE mantém rígida a oferta monetária, não prestando qualquer ajuda aos governos.

Mais recentemente, Mario Draghi, o presidente do BCE, anunciou a disposição do banco de adquirir títulos dos governos em dificuldade de forma ilimitada desde que subordinem sua política fiscal a programas de austeridade. Isso ajuda muito pouco. É que a compra será no mercado secundário, criando grande conforto para os investidores, mas não liberando dinheiro diretamente para os governos A hipótese é que os donos privados dos títulos no mercado secundário vendam esses títulos ao BCE criando espaço para a compra de títulos novos emitidos pelos governos. Contudo, atenção: os governos não poderão fazer gastos novos financiados por esses títulos porque estarão limitados pelo programa de austeridade.

Assim, a Europa do euro, pela ideologia de seus dirigentes e por sua institucionalidade, mergulhou nas tramas de um oximoro: com a decisão do BCE, ela pode ter uma maior capacidade de gasto público, sim, mas desde que não use essa capacidade do lado fiscal, já que tem que reduzir o déficit e a dívida pública. Enquanto isso, a demanda continua estagnada, o desemprego se eleva às nuvens – 13% em média, 25% na Espanha e na Grécia, 50% entre jovens, contração na maioria dos países e queda da taxa de crescimento até na orgulhosa Alemanha, que tem feito tudo para matar o seu mercado impondo-lhe políticas restritivas do gasto público!

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Famílias acampadas continuam sob forte pressão dos pistoleiros

Em nota, movimentos sociais denunciam a ação violenta de latifundiários


Desde 2010, 280 famílias de trabalhadores e trabalhadoras rurais mobilizadas pelo MST se encontram acampadas em uma área rural no município de Curionópolis, conhecida como acampamento Frei Henri, a margem da rodovia PA-275, 16 km da cidade de Parauapebas, no sudeste do Pará.
A área conhecida como fazenda Fazendinha, de mais de 400 hectares, pertence à União. No entanto, o fazendeiro conhecido como Dão Baiano já tentou regularizar a área em nome de uma de suas filhas, mas o pedido foi negado por representantes do programa Terra Legal, tendo em vista que essa mesma terra já é assentada em um Projeto de Assentamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Diante da impossibilidade do fazendeiro em regularizar a área grilada como sua propriedade, em seu nome ou de um de seus familiares, o mesmo não aceita que os trabalhadores rurais sem terra acampados possam continuar na parte que ocupam, desenvolvendo o plantio de culturas de subsistência e de hortaliças, para garantir um pouco de renda e sustento alimentar.
No final do mês de setembro, as famílias acampadas, com o uso de um trator agrícola, iniciaram o preparo de área para o plantio, chegando a destocar e arar em torno de 10 hectares até o dia 5 de outubro. Neste momento, o fazendeiro enfurecido interviu no sentido de não permitir que mais áreas fossem preparadas, obrigando que as famílias se contentassem com apenas a área já trabalhada.
   
   Fazendeiro e pistoleiros nas imediações do acampamento - Foto: Reprodução
Diante da reação das famílias, o fazendeiro buscou apoio junto à organização criminosa dos fazendeiros da região, arregimentando todos seus pistoleiros para destruírem o acampamento dos trabalhadores rurais e expulsá-los da área. Para tanto, desde o dia 08 de outubro, começaram a se concentrar na sede, que fica a uns 500 metros do acampamento, e montar trincheiras próximas do acampamento.
Já foram três noites de tiroteio. Da noite do dia 9 para o dia 10, pistoleiros sob o comando de fazendeiros promoveram um grande tiroteio contra as famílias de acampados, que teve início às 21 horas do dia 09 e durou até às 07 horas do dia 10, com vários intervalos. Diante da situação, as famílias interditaram a rodovia PA-275, em frente ao acampamento, até o meio dia do dia 10, com a finalidade de chamar a atenção das autoridades para a solução do problema. Uma reunião promovida pela direção do MST contou com a presença do advogado do fazendeiro, um juiz da Vara Agrária, o superintendente do Incra, um ouvidor agrário, um advogado da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o filho do fazendeiro, Sidinei Rubens de Oliveira Barreto, mas nenhuma decisão foi tomada.
O filho do fazendeiro defendeu de forma contundente a imediata retirada das famílias do acampamento, como se a terra fosse de sua propriedade. Por outro lado, o MST e a CPT defenderam a proposta de que fossem encerradas as agressões contra as famílias e que estas pudessem continuar preparando a terra para o plantio de suas roças.
   
   Pistoleiros construíram trincheiras em torno do acampamento - Foto: Reprodução
Na área, com o uso de tratores, os pistoleiros passaram o dia construindo trincheiras para garantir condições para melhor atacar as famílias. Enquanto os agricultores, muito aflitos e inseguros diante da ausência de posições das autoridades e do avanço dos pistoleiros, procuravam formas de resistirem a outros tiroteios que pudessem vir a acontecer.
Muitos policiais civis e militares estiveram na área, inclusive o delegado da Delegacia de Polícia Civil de Curionópolis, mas nenhuma atitude foi tomada no sentido de reprimir os pistoleiros ou de efetuar o desarmamento dos mesmos. Mas, como proteção aos fazendeiros e pistoleiros, a polícia militar montou duas barreiras na PA-275, próximas às cidades de Curionópolis e Eldorado de Carajás. Uma outra barreira foi montada na BR-222, às proximidades do acampamento Helenira Resende, do MST. Estas barreiras dificultam a passagem de militantes do MST para reforçar a resistência no acampamento.
Nas noites do dia 10 e do dia 11, os pistoleiros sob o comando dos fazendeiros promoveram novamente outros tiroteios contra o acampamento, queimando alguns barracos, provocando terror e medo. As famílias estão sendo protegidas pela resistência montada pelos trabalhadores.
   
   Em protesto, os sem terra trancaram a rodovia PA-275 - Foto: Reprodução
Enquanto tudo isto acontecia, a 100 km dali, a Escolta Armada do Grupo Santa Barbara, protegida pela Policia do estado, concentrada na fazenda Cedro, cercava o acampamento Helenira Resende, espancando trabalhadores e proibindo as famílias de prepararem a terra para fazer os seus plantios. Estas famílias reclamam, também, de venenos jogados de avião sobre o acampamento, causando doenças graves e morte de pessoas.
É uma verdadeira guerra, que se caracteriza por chacinas e massacres entre desiguais do campo e da cidade, na região da província mineral de Carajás. Guerra promovida e financiada pelo Estado e o capital - representado pelo latifúndio e a Vale - contra as famílias de trabalhadores e trabalhadoras rurais e os movimentos sociais que se manifestam contrários a esta situação de barbárie.
Com os investimentos cada vez maiores em rendas sobre terras e minérios, a estratégia fica bem clara: espoliação e exploração da classe trabalhadora, aumentando progressivamente a massa de despossuídos e miseráveis; e, por outro lado, o fortalecimento da classe patronal, latifundiária e empresarial nos campos e nas cidades.
Instituições públicas se transformam em postos de distribuição de migalhas aos pobres, instrumentos de forte repressão, assassinato e criminalização dos movimentos sociais populares, e, por fim, em balcões de negócios de arrecadação de fundos para campanhas eleitorais que acontecem a cada dois anos.
Este cenário aponta para mais um derramamento de sangue de trabalhadores(as), prisão e criminalização de lideranças, defesa e proteção dos latifundiários e assassinos do sul e sudeste do Pará, orquestrados pelo aparato jurídico e policial do estado. Pode resultar em mais um massacre ou uma chacina de desprotegidos da lei, que só tem sido aplicada em defesa do poder econômico.
Conclamamos a todos lutadores e todas lutadoras do povo a se unirem em defesa dos oprimidos, das famílias do acampamento Frei Henri, dos direitos primordiais necessários para garantia da vida e por um movimento forte para destruição do capitalismo e dos capitalistas, antes que seja tarde.

sábado, 13 de outubro de 2012

Quantos escravos trabalham para você?

Graças à pesquisa “Perfil dos principais atores envolvidos no trabalho escravo rural no Brasil” (que pode ser lida em formato pdf em http://www.oit.org.br/sites/default/files/topic/forced_labour/doc/perfilescravofim_624.pdf ) da Organização Internacional do Trabalho, temos o perfil do senhor de escravos do Brasil do século XXI. As entrevistas sugerem que a maioria deles nasceu em cidades do interior do Sudeste e Paraná, mas mora no Norte, Nordeste e Centro-Oeste, onde possuem propriedades de 1,5 mil a 17 mil hectares, dedicadas à pecuária, cana ou soja e que usam tecnologia moderna.
Dos doze entrevistados, com média de idade de 47,1 anos, oito são brancos, dois orientais, um se diz “moreno” e outro não se definiu. Têm curso superior em administração de empresas, agronomia, veterinária, economia ou contabilidade, pertencem a associações patronais, tem casamentos estáveis e filhos na faculdade. Um é filiado ao PSDB, outro ao PMDB e um terceiro o já ocupou cargos de vereador e prefeito em uma coligação PL/PMDB. Gente limpinha e cheirosa, que se descreve como “homem de bem”. Poucos se envergonhariam de ser vistos a seu lado em restaurantes e colunas sociais.
Enquanto os amos exibem um leve verniz de modernidade em relação aos barões de D. Pedro II, seus escravos, na maioria nordestinos, são indistinguíveis de seus ancestrais do tempo do Império: 80% são negros e 1% indígenas. São na maioria solteiros ou separados, com baixa instrução (84% analfabetos ou com primário incompleto) e idade média de 31,4 anos. Os aliciadores ou “gatos”, com perfil semelhante exceto pela idade (média de 45,8 anos), também poderiam ter sido feitores das fazendas do século XIX.
O problema, é claro, não existe só no Brasil. Estima-se que há 27 milhões de pessoas trabalhando em condições análogas à escravidão em várias partes do mundo. E nestes tempos de globalização, é quase certo que alguns dos produtos que você consome tenha a mão de alguns deles. A Fair Trade Fund, ONG da Califórnia presidida por Justin Dillon, criou um programa disponível em http://slaveryfootprint.org que se propõe calcular sua “pegada” escravista. Ou seja, quantos escravos trabalharam para você em alguma parte do mundo.
No caso deste colunista (incluindo apenas bens estritamente pessoais, não os do restante da família), o resultado foi 28, 60% dos quais teriam contribuído para meu vestuário, 20% para eletrônicos e 20% para meu veículo. Mais concentrados na China, mas também no Sudeste Asiático, Índia, África, Arábia Saudita, Brasil, Peru, Austrália e EUA. Como? Produzindo carvão, metais, lã e outras matérias-primas na China, cobalto e ferro em minas da Austrália, milho e náilon nos EUA, algodão em Zâmbia, Índia ou Paquistão, petróleo no Golfo etc.
Vale notar que esta cesta de consumo em particular não inclui nenhum celular, alvo do recente documentário Blood in the Mobile (“Sangue no Celular”), do dinamarquês Frank Poulsen. Ali se retrata a escravidão de homens, mulheres e crianças na extração de minérios raros destinados a esses aparelhos, tais como volframita, columbita e tantalita, tão impressionante quanto a vista no filme Blood Diamonds (“Diamantes de Sangue”) de Edward Zwick.
Embora os critérios e a metodologia estejam explicitadas no site, há várias restrições que se poderiam fazer a esse cálculo. Tendo sido concebido por uma ONG que trabalha em parceria com o Departamento de Estado dos EUA, pode estar enviesado pelos preconceitos de Washington em relação ao que deve ser ou não considerado trabalho escravo, bem como por interesses protecionistas em relação às importações da China e de outros países periféricos. Mas não há dúvida de que, pormenores à parte, o problema é real.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

“Precisamos relembrar nossas lutas e nossos mártires”

Para Vito Giannotti, a burguesia criou um tabu para esconder que o brasileiro sempre lutou. E o livro-agenda do Núcleo Piratininga de Comunicação tem o objetivo de combater essa ideia, acabar com essa visão do brasileiro bonzinho 

 Ex-metalúrgico, educador e comunicador popular, Vito Giannotti confessa que tem duas obsessões em sua vida de militante pelo socialismo. A primeira é ajudar a construir veículos de esquerda para romper a hegemonia da mídia empresarial brasileira. A segunda é
   
O beato José Lourenço e outros integrantes da comunidade da fazenda
Caldeirão da Santa Cruz - Fotos: Reprodução
   
resgatar a história de luta dos trabalhadores e combater a visão de que o povo brasileiro não quer, não se interessa e não sabe se insurgir contra a injustiça. “Essa ideia é a base do conservadorismo dessa sociedade. É a base para manter a sociedade do jeito que está: dominada, oprimida e explorada pelos de cima”, defende.      
Para combater essa ideia de que brasileiro é bonzinho e cordial, Giannotti e sua equipe do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC) lançaram um livro- agenda que faz o mapeamento de centenas de lutas, revoltas, levantes e insurreições populares que ocorreram no Brasil de 1800 a 2012. Nesta entrevista, exclusiva ao Brasil de Fato, ele fala de lutas pela terra, revoltas de negros escravos e de índios oprimidos, grandes greves operárias e dos levantes contra a ditadura militar.   

Brasil de Fato – A agenda 2013 do NPC reúne centenas de exemplos de levantes populares. É um contraponto à ideia de que o povo brasileiro é bonzinho, pacífico?
Vito Giannotti – O que sempre me irritou, na minha vida de militante, foi ouvir a frase das pessoas simples ou de pessoas mais estudadas, declaradamente de direita, que o brasileiro não é de luta, brasileiro é bonzinho, que não quer saber dessas coisas. Lá fora não, lá fora os caras lutam e brigam, na Argentina, no Uruguai, no Chile, França, na Itália. Aqui o pessoal não quer saber de nada, só quer saber de cachaça e de futebol e carnaval.   

E essa ideia traz péssimas consequências para a sociedade...
Essa ideia é a base do conservadorismo dessa sociedade. É a base para manter a sociedade do jeito que está, dominada, oprimida, explorada pelos de cima: pela elite, pela burguesia, pelos patrões. Essa ideia é importantíssima para o sistema e nós temos que combater. Essa agenda tem o objetivo declaradíssimo de combater essa ideia, acabar com essa visão do brasileiro bonzinho. Sabe o que significa bonzinho? Vamos traduzir numa linguagem mais chula: significa que o brasileiro é “bundão”, é bunda mole. Essa é a ideia generalizada, difundida pelos meios de comunicação que estão nas mãos da burguesia, dos patrões, do sistema. É mantida através de todos os instrumentos ideológicos da sociedade: escola, igrejas, do conjunto das manifestações da sociedade. Essa agenda quer mostrar centenas de lutas, levantes, insurreições, pequenas revoluções feitas pelo povo brasileiro.   

Então a agenda traz vários exemplos de casos de lutas populares por um ideal, político, social. Ela tenta desconstruir a ideia de que se luta apenas por interesses corporativos, econômicos, muito difundida nos grandes meios de comunicação...
Tem, por exemplo, a luta dos portuários brasileiros, a primeira categoria de trabalhadores que abrangia estivadores e doqueiros que carregavam os navios. O Porto de Santos era conhecido como o porto vermelho, uma categoria supercombativa que atuava nos portos de Santos, Rio de Janeiro, Vitória, Salvador, Recife, São Luis. Eram milhares de trabalhadores que fizeram centenas de greves não só por melhores salários, como também greves altamente políticas contra a repressão que ocorria no plano internacional. Por exemplo, em 1905 quando o Czar da Rússia mandou matar o povo russo que exigia pão e liberdade Aqui eles pararam de carregar navio russo. Quando teve a Guerra Civil Espanhola, que matou trabalhadores espanhóis de esquerda, tivemos greve de solidariedade nos portos do Rio e de São Paulo, Santos. Greves de solidariedade desse povinho que não luta. Ao contrário, luta não só pelos interesses dele, como pelos interesses do mundo todo. Tem outro fato que pouquíssima gente conhece, só alguns cearenses, que é a história da Guerra do Caldeirão...               
   
   
No final do século 19, estivadores trabalham no embarque
de café, no porto de Santos, a “cidade vermelha”

Que história é essa?
Você fala dessa guerra e ninguém sabe o que é isso. Já ouvimos falar superficialmente nas escolas de Canudos, do Contestado, do Quilombo de Palmares, da Revolução Pernambucana. Coisas bem gerais, só das maiores. Em qual livro se fala da Guerra do Caldeirão, quem sabe disso? Quase ninguém! Era um povoado formado por camponeses pobres que exigiam terra para plantar. Plantavam coletivamente, distribuíam entre todos o fruto do seu trabalho, fizeram uma reforma agrária na prática indo contra o sistema. Tudo isso começou em 1933 e se entendeu até 1937. O governo resolveu acabar com esse foco de outra maneira de produzir, outra maneira de viver. Era um péssimo exemplo para o Brasil, na visão da burguesia dominante da época, de Getúlio Vargas. Mandaram várias expedições de soldados para reprimir, da mesma forma que Canudos, em escala menor. Caldeirão foi menor no espaço e no número de pessoas que atingiu: havia mais de duas mil pessoas, diferente de Canudos em que se fala de 20 e até 30 mil pessoas. Foram dois mil brasileiros bonzinhos, pacíficos, que não querem saber de luta? Como não quer saber de luta? Povo que resistiu quatro, cinco anos às investidas do Governo Vargas... Só cito o último dia: esse povo bonzinho, de “índole cordial” resistiu contra o Exército, não cedeu. Aí, o governo, tranquilamente, mandou a aviação bombardear. Foram mortas 800 pessoas, montanhas de cadáveres que foram enterradas lá mesmo, obviamente. Esse é o povo brasileiro bonzinho. Só que essa história não se conta. É o que essa agenda quer contar.    

O modelo da agenda apresenta pílulas diárias para resgatar a história e instigar as pessoas para irem atrás de mais informações...
São cinco linhas para estimular os lutadores. É um tira-gostinho, é um pequeno torresminho, não é uma feijoada completa, toda a história. Só pra dar vontade... Igual a essa Guerra do Caldeirão tem lutas de negros, escravos, enquanto a gente só fala de alguns quilombos. É uma pesquisa, é uma formação política. As notícias não foram colocadas sem critério, foi um trabalho infernal pra fazer porque exigiu que se colocasse no dia em que aconteceu. Imagina na mão de um professor inteligente, com vontade de melhorar esse país, essa agenda pode fazer um tremendo estrago. Um estrago do bem, obviamente.      

Um dos principais eixos abordados na agenda é a luta pela terra. É uma bandeira que une indígenas, quilombolas, camponeses desde que a propriedade privada foi instituída no país. São lutas desconhecidas, mas fundamentais para entender o Brasil de hoje?
Quando se fala em luta pela terra a gente tem na memória, obviamente, o MST de hoje, que nasceu em 1985, mas é recente na nossa historia. Agora, nesses duzentos anos são centenas de lutas pela terra que são resgatadas. Cito a história de Margarida Maria Alves, uma lutadora do sindicato de Sapé na Paraíba, que foi morta pelos latifundiários por ser presidente do sindicato. Normal, é o que os latifundiários fazem: mandam matar todo lutador. Isso aconteceu na cidade de Sapé, que tem uma longa história de luta dos camponeses que criaram a primeira Liga Camponesa, lá na Paraíba... Agora, na nossa agenda aparecem umas cinco, seis vezes as Ligas Camponesas. Além destas, se fala também da liga de Pernambuco, das lutas de Cabo de Santo Agostinho, onde trabalhou um ilustre lutador e organizador, o comunista Gregório Bezerra.  

Além de mostrar a história dos lutadores mais conhecidos como Marighella, Lamarca, Toledo, Zequinha a agenda também busca trazer histórias de lutadores desconhecidos?

Na agenda a gente fala só umas dez linhas sobre Gregório Bezerra. Ele mereceria dez livros de mil páginas cada um. Só que isso já se faz. É importante lembrar nossos mártires, nós também temos heróis: Marighella, Lamarca e companhia. Mas nós precisamos lembrar o povo que estava no Cabo de Santo Agostinho incendiando canaviais e exigindo reforma agrária, na lei ou na marra, em 1952, 1964; por isso que os milicos, a burguesia, a direita, os Estados Unidos deram o golpe pra terminar com a luta no campo e com as greves na cidade.     

Outro eixo, sem dúvida, é a história das greves. Várias táticas dos trabalhadores são citadas na agenda e mostram que essas greves cumpriram e cumprem um papel fundamental na luta por transformações sociais.
Temos milhares de greves que aconteceram, só que nós não fizemos uma agenda sobre as greves. Eu tenho uma lista de mais de 10 mil greves no Brasil. Para a agenda nós destacamos algumas greves das lutas operárias, urbanas, dos trabalhadores da cidade, as mais famosas, com maior participação popular, com centenas de milhares de operários. Por exemplo, a greve de 1917 de São Paulo. Todo professor tem que falar dessa greve que parou a capital paulista por 30 dias. Parou tudo, os trens com comida que chegavam eram descarregados pelos grevistas e distribuídos para as pessoas conforme o número de filhos. É uma greve fantástica! A agenda mostra também outra grande greve de 1917, em Curitiba, que teve dois mortos. Na agenda destacamos o nome dos dois mortos para combatemos a ideia de que se dá um tiro, o brasileiro foge. Não é verdade, brasileiro morre na luta e não foge.    Outra greve: a dos metalúrgicos de São Paulo de 1979, uma greve de sete dias. Foram 250 mil metalúrgicos parados, milhares de presos teve inclusive gente assassinada: é o caso de Santo Dias, metalúrgico da oposição sindical que foi fazer piquete na portaria da fábrica Silvana. Aí chegou a polícia e mandou parar de distribuir panfletos. E aí, Santo Dias e os companheiros pararam? Esses brasileiros, que não lutam, pararam? Não! Não pararam. Continuaram distribuindo e a polícia deu dois tiros nas costas de Santo Dias e ele morreu. E os outros fugiram? Não! Se pegaram na porrada com a polícia. Tem um companheiro de lá, o João, que ficou conhecido como João Porrada pela luta que fez com a polícia, se atracou com a polícia na frente da Silvana. Ele não fugiu. Como o brasileiro é bonzinho? Pergunta pro João Porrada.     

Outro eixo bastante abordado pela agenda contempla as lutas contra a ditadura militar que têm um peso muito grande na história de luta do povo brasileiro.
Hoje em dia, eu diria que há uns cem livros que saíram nos últimos quatro, cinco anos no Brasil sobre a ditadura. Graças a Deus! E não era uma lacuna, era de propósito, pois a direita, a burguesia, os patrões, os governos, os militares, os EUA, queriam esquecer esse período. Quem apoiou o golpe? Toda a mídia: O Estado de S. Paulo, Folha de S.Paulo... Esses veículos queriam fazer esquecer a ditadura. O que faz agenda do NPC? No mínimo, a agenda tem cem noticiazinhas sobre o período da ditadura. A agenda tem quatro notícias do Levante Popular da Juventude. O Levante não só entra pra história como também recupera o conhecimento da história da ditadura que era esquecida. Sim, a Comissão da Verdade foi instalada, mas a Globo quase não dá notícia nenhuma. Óbvio. Se a Globo não dá, o povo não sabe, porque não lê. E a Folha e o Estadão, a grande mídia, não estão nem aí. Só um punhado de gente acompanha isto. Com esses escrachos, esses jovens provocaram uma rediscussão. A mídia burguesa, patronal, comercial, de direita, foi obrigada a noticiar aquela manifestação na frente da casa do Harry Shibata, do Instituto Médico Legal (IML), que deu atestados falsos. Ele declarou que os grandes lutadores que foram mortos sob tortura pela repressão tinham se enforcado, se matado. Ao contrário, tinham sido mortos em tiroteio. Uma manifestação na casa desse assassino teve que sair na Folha e até no O Globo saiu. Assim, umas 100, 200 mil pessoas ficaram sabendo, então a ditadura militar voltou a ser assunto, que não era. Esse é um dos grandes méritos do Levante Popular da Juventude que está noticiado na agenda.    

Outro fato recente retratado na agenda é a ocupação de Pinheirinho em São José dos Campos. A foto daqueles moradores combatentes ajuda a desconstruir a ideia de que o povo brasileiro é bonzinho?
Não é só Pinheirinho. Agora, igual Pinheirinho tem mais, no mínimo, 20 lutas contra as remoções. A agenda fala da Vila Autódromo, no Rio, onde os empresários, os governos, grandes empreiteiras estão querendo tirar os moradores de lá para fazer condomínios para garantir os lucros da classe dominante. Mas eu aposto que tem vinte casos igual Pinheirinho. E se não destacamos Pinheirinho na agenda, daqui a pouco ninguém lembra. E eu digo outra coisa: outros muitos Pinheirinhos virão. O povo tentou resistir e só não conseguiu porque a repressão, a força policial foi muito mais forte. Calma! Dias virão que o povo criará mais força. Qual é o sentido dessa agenda? Mostrar que é possível resistir. Houve resistência no campo e na cidade. Os negros, os índios, trabalhadores, professores, estudantes resistiram. Em massa, em grande número. 
   
   
O educador e comunicador popular Vito
Giannotti - Foto: Douglas Mansur

A agenda também traz as lutas das mulheres?
Várias lutas das mulheres. Temos a foto de Elvira Boni, a primeira mulher que participou de um congresso operário no Brasil, em 1920, no 3º congresso da Confederação Operária Brasileira (COB). Ela estava na mesa, a única mulher. Óbvio que está a foto dela, não tem foto de nenhuma burguesa, tem a foto de uma operária. Era líder do sindicato das costureiras. Liderou greve, foi presa.       

Qual o potencial dessa agenda como instrumento político?
É de mudar a cabeça dos nossos militantes. A cabeça de todos nós está empesteada com essa ideia de que o povo brasileiro é bonzinho. Isso é um veneno. Um tóxico que está espalhado no ar que está na infestado na cabeça de muito militante, lutador. O cara luta, mas no fundo acha que na Argentina, no Chile se luta mais. Quantos exilados tivemos, quantos desaparecidos tivemos no período da nossa ditadura? Essa agenda fala muitas vezes do Araguaia, uma grande luta que tentou fazer com que o povo viesse. E o povo participou como pôde, o que prova que é mentira que o povo é bonzinho. Fala de lutadores que lá morreram com tiro na cara pelo grande repressor, o coronel Curió. Morreram porque se recusaram a colaborar com a repressão. Pelo contrário, lá no Araguaia, morria-se dizendo “Viva a revolução, viva o socialismo!”.    

Pouca gente sabe os detalhes do Araguaia, uma luta totalmente escondida na escola...
É um tabu. A burguesia criou um tabu para esconder que o brasileiro sempre lutou: homens, mulheres, jovens, velhos. A burguesia, o sistema envenenam a cabeça do povo através da mídia empresarial de que o brasileiro só quer saber de carnaval, de se divertir... Claro que quer se divertir, mas o povo daqui não é cordial. O povo brasileiro é muito simpático, muito alegre, isso é uma característica, sem dúvida nenhuma. Mas daí a ser pacífico e bonzinho é mentira. No final de jogo de futebol morrem três pessoas numa briga. Cadê a pacificidade? Cadê a índole cordial?    

Podemos dizer que no Brasil há uma rejeição contra atos de violência?
A rejeição vem porque a burguesia, os de cima, tem todo o interesse em dizer que a violência é ruim. Claro, a violência dos de baixo é ruim, eles querem só exercer a violência dos de cima. A polícia de São Paulo mata mais pessoas do que todo os Estados Unidos. Não é exemplo pra mim os EUA, não é o país que adoro, pelo contrário! Mas os fatos são fatos. Por isso os patrões, os de cima tem que dizer que a violência é ruim. Claro, só a violência dos operários, índios, negros. A polícia que vai nos morros do Rio de Janeiro e mata à vontade, ela é pacífica? Ela quer que o povo seja pacífico e quer que morra tranquilamente.      

Numa observação mais ampla da agenda, fica bem evidente a grande a repressão do Estado, com o aparato policial, no abafamento de qualquer organização popular.
Sim, inclusive na agenda temos o exemplo das Mães de Maio. São mães que lutam contra a violência do sistema, dos de cima, dos patrões, dos empresários, dos governos burgueses. Por isso se fala que a violência é ruim. Então a mãe escuta isso pelo rádio, pela televisão. Ela escuta a desgraça daqueles programas policiais, que todas as cidades têm, de repórteres que estão a serviço do sistema, apavorando o povo, falando contra a violência. Violência de quem? Dos de baixo. Defendendo que a polícia tem que ir lá exterminar e botar ordem etc. A mãe escuta isso, ela passa pro filho, o filho escuta e passa para a namorada, os dois passarão para o novo filho. Vai indo, se perpetuando, continuando, para sempre, com essa visão de que violência é ruim. Claro, eu acho que violência é muito ruim, por isso vamos acabar com a violência. Com justiça! Se nós implantamos um regime de justiça, acabará a violência. Essa é a única alternativa.      

Todos esses levantes são frutos da desigualdade, do acirramento das contradições. Se há países injustos, há levantes populares...
O Brasil é o quarto país mais injusto do mundo. Tem a quarta pior distribuição de renda que é a medida da injustiça de um país. A Venezuela, na América Latina, é o país mais justo, quem está falando isso é a ONU. Que significa mais justo? O país onde a distribuição de renda é a menos diferenciada, menos distante do mais pobre e o mais rico. Significa, onde há menos injustiça. E ela é a raiz da violência! Só que tem que esconder isso. Como a burguesia esconde? Através da sua mídia. Como nós temos que fazer? Temos que criar a nossa mídia. Essa é a minha obsessão, fora fazer conhecer a nossa história, que é uma preocupação minha constante, é a gente construir nossos meios, já que a burguesia não conta nossa história, na TV não se fala das lutas populares. Claro que não, óbvio que não. Eles nunca vão falar. Nós somos uns idiotas quando reclamamos que eles não noticiam, que a Folha de S. Paulo é incompetente por não noticiar. Como? Ela é muito competente, inteligente e supercapaz para defender seus interesses. Está certa a Folha, está defendo a classe dela. Errados somos nós que acreditamos que eles deveriam ser diferentes. Pois eles não serão, então nós temos que defender nossa classe. Como? Nós temos que ter a nossa mídia! E lutar por outra sociedade: uma sociedade socialista.