"Quando os jovens de uma nação são conservadores, o sino de seu funeral já tocou" Henry Ward Beecher

"Quando os jovens de uma nação são conservadores, o sino de seu funeral já tocou"
Henry Ward Beecher

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Questões psicológicas, econômicas e políticas motivaram Rússia.

O ressentimento com a desintegração da União Soviética, a construção de um oleoduto na Geórgia - que fez com que a Rússia deixasse de ser a única rota do gás e do petróleo da Ásia Central à Europa-- e a vontade de conter a influência dos EUA na região são os motivos apontados por Marshall Goldman, PhD em estudos da Rússia pela Universidade Harvard, para a ofensiva russa na Geórgia.
A crise começou na noite da quinta-feira (7), quando a Geórgia, aliado próximo de Washington, enviou tropas para retomar a Ossétia do Sul, uma região que declarou sua independência da Geórgia em 1992. Moscou, que apóia a secessão do pequeno território e tem forças de paz na região, respondeu rapidamente enviando tropas ao país vizinho, dando início a um conflito entre os dois países que já fez quase cem mil refugiados, segundo as Nações Unidas.
Para Goldman, os georgianos entraram em guerra com a Rússia pois "são guerreiros, sempre foram". Segundo o professor de economia russa no Wellesley College, o Cáucaso "é uma região violenta, os russos tiveram grande dificuldade em dominá-los no século 19".
O especialista afirmou em entrevista à Folha Online, na última sexta-feira (8), que a Ossétia, com população entre 75 mil a cem mil habitantes, não tem condições de se manter como um país independente. "Eles podem ser independentes na superfície, mas com certeza não na prática."

Entrevista:

Folha Online - Por que a Rússia interfere com tanta força na Ossétia do Sul? Quais são seu principais interesses?
Marshall Goldman - É uma questão psicológica, material e política. No âmbito psicológico, os russos são muito ressentidos pela forma com que sentem que foram tratados no começo dos anos 90, quando a economia estava mal e o país estava basicamente se desintegrando.
Eles sentem que perderam status, deixaram de ser uma superpotência, que foram humilhados pelo mundo de fora. Como disse a governadora de São Petesburgo, Valentina Matvnyeko "estamos cansados de ouvir o que devemos fazer, não temos mais que ouvir".
É uma tentativa de parar com o que os russos vêem como a desintegração de seu país, a erosão da sua força e a divisão de uma parte da Rússia depois da outra. Eles estão tentando agora trazer de volta algumas das propriedades e territórios que perderam. Essa é uma forma de fazê-lo --com os ossetianos e abkazianos dizendo que querem fazer parte da Rússia. É parte de um esforço para recriar uma "Grande Rússia".

Folha Online - Então o sr. crê que a Rússia tentaria reunificar esses dois territórios...
Goldman - Com certeza.

Folha Online - Não é apenas ajudá-los a se tornarem independentes.
Goldman - Não. Eles podem ser independentes na superfície, mas com certeza não na prática. Há uma inconsistência aqui. Quando os ossetianos dizem que querem se separar da Geórgia, os russos dizem que eles têm todo o direito de fazê-lo e os apóiam. Mas quando a Thetchênia tenta fazer o mesmo e se separar da Rússia, eles dizem que não pode.
É tudo parte do esforço russo --reprimir o separatismo na Tchetchênia, trazer de volta esses outros países sob a influência russa. Essa é a parte psicológica.
A parte política é a de que a Rússia vê os EUA e a Europa ocidental tentando levar adiante essa separação (da Rússia) e de cercar a Rússia, vindo pelo seu quintal. Certamente é o que está acontecendo, como vêem, no Cáucaso, nos Estados Bálticos que se uniram à Otan, no Leste Europeu, com a Romênia, Bulgária e Hungria, todas se tornando parte da União Européia e da Otan. Novamente é a questão de o país ter se desintegrado e de querer restabelecê-lo.
No âmbito econômico, eles querem aquela riqueza em particular. A Geórgia está vivendo um rápido crescimento econômico, mas há outro aspecto econômico. A Geórgia facilitou a construção de um oleoduto e de um gasoduto através de seu território que liga o Azerbaijão à Turquia, permitindo que o petróleo e o gás da Ásia Central não passem pela Rússia em seu caminho para a Europa.
Os países da Ásia Central tinham de passar pela Rússia, e os russos podiam controlar (o fluxo de combustível) e cobrar impostos sem ter de se preocupar com concorrência.
Agora, Turcomenistão, Cazaquistão e Uzbequistão podem exportar seu petróleo e gás através do Azerbaijão, Geórgia e Turquia. Isso os deixa livres e eles podem diminuir seu preço. A Geórgia tem claramente sido um alvo há algum tempo desde que os russos estão preocupados com essa questão.

Folha Online - O sr. disse que a Geórgia vem tendo um grande crescimento econômico. A região da Ossétia do Sul também participa desse crescimento?
Goldman - Creio que não. Certamente a região não participa do que está ocorrendo na Geórgia, há muita instabilidade. Mas o resto da Geórgia tem crescido 7%, 8%, o que é uma surpresa, considerando tudo o que está ocorrendo lá. O país tem recebido muitos investimentos de locais como o Cazaquistão. É uma área que está crescendo muito.

Folha Online - O sr. vê uma relação entre a declaração de independência de Kosovo e o recrudescimento dos movimentos separatistas na Geórgia?
Goldman - Sim. E, de novo, é uma inconsistência. Eles (russos) dizem que não querem que Kosovo se separe da Sérvia, que se deve preservar a integridade da Sérvia pois é um enclave cristão ortodoxo, muito próximo da Rússia. Mas se a Geórgia diz que não quer que a Ossétia se separe, eles dizem "bem, vocês deveriam deixar". Não é uma política consistente.

Folha Online - Por que a Geórgia iria lutar contra a Rússia, quando ela sabe que não pode vencer?
Goldman - Porque os georgianos são guerreiros, eles sempre foram. É uma região violenta, os russos tiveram grande dificuldade em dominá-los no século 19. A região é montanhosa, e isso foi antes das armas modernas. Mas as montanhas continuarão lá, a Geórgia suspeita que irá receber apoio do Ocidente, e é um jogo de blefe.

Folha Online - Como o sr. crê que o Ocidente irá reagir a uma guerra entre os dois?
Goldman - Acho que a maioria das pessoas no Ocidente pensa "deixe que eles se matem, não ligamos", mas haverá alguns que dirão que a Rússia é a agressora e tentarão conseguir apoio à Geórgia. E a Rússia está confiante novamente, eles sentem que podem fazer o que podem. Também haverá gente no Ocidente dizendo "se não fizermos algo agora, o próximo será a Ucrânia, e eles tentaram recriar a União Soviética". Pelo o que está ocorrendo no Iraque e no Afeganistão, não será fácil mobilizar apoio ocidental. Então não creio que haverá muita reação do Ocidente, e acho que os russos estão contando com isso.

Folha Online - Como uma guerra pode influenciar os planos da Geórgia de fazer parte da Otan?
Goldman - Haverá gente que hesitará. Os alemães, (a chanceler) Angela Merkel hesitou um pouco sobre convidar a Ucrânia e a Geórgia a fazer parte da Otan. E isso já é uma conseqüência de a Alemanha ser muito dependente do gás russo, mais 40% do gás natural consumido no país vem da Rússia.

Folha Online - A Ossétia do Sul poderia se manter como um país independente?
Goldman - Não. É muito pequeno, e eles não têm recursos suficientes para isso.

Folha Online - O sr vê alguma razão especial para o conflito piorar agora, ou é só o inevitável?
Goldman - Eles iam nessa direção, mas é um momento oportuno. O mundo está distraído pela Olimpíada. Não sei se isso fazia parte da estratégia ou se é coincidência, mas o momento é muito bom.

Tirem suas próprias conclusões...

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