"Quando os jovens de uma nação são conservadores, o sino de seu funeral já tocou" Henry Ward Beecher

"Quando os jovens de uma nação são conservadores, o sino de seu funeral já tocou"
Henry Ward Beecher

sábado, 25 de julho de 2009

A corrupção da política, a política contra a corrupção

Antonio Ozaí da Silva

A corrupção não é novidade É uma prática que persiste desde os
primórdios da civilização e não sai da moda desde que existe vida
política. A corrupção é um tema presente desde as primeiras
reflexões filosóficas sobre as formas de governo. Ela está na boca do
povo, no noticiário, na internet, etc. É tratada e destratada pelo senso
comum. Abjeta e nauseabunda é também objeto de piadas e da justa
ira dos que exigem dos políticos o cumprimento do mandamento
bíblico “Não roubarás”.
O que é e o que envolve a corrupção? Quais as suas causas? Será a
tendência à degeneração moral do ser humano? Como um fenômeno
presente em todas as épocas, será inerente ao humano? Em que medida a afirmação da
moral é ser eficaz? Quais as medidas políticas capazes de frear a gana corruptiva dos
agentes políticos? O que o cidadão comum, que não ocupa cargos no aparato estatal e
nem é profissional da política, tem a ver com isso? Pode contribuir no combate à
corrupção? Como?
São muitas as questões e as respostas dependem da atitude diante da realidade política e
social. De qualquer forma, a leitura do livro, sugestivamente intitulado Corrupção, além
de instrutiva é um estímulo à reflexão. Neste sentido, definir a palavra corrupção e
acompanhar a sua metamorfose constitui um bom começo. Como esclarece o autor1:
“A palavra corrupção deriva do termo latino corruptio/onis, donde vem sua acepção
primeira. Para o homem latino dos séculos I e II, o termo corruptionis tinha sua
significação a partir da conjunção de outros termos: cum e rumpo (do verbo romper),
significando romper totalmente, quebrar o todo, quebrar completamente. Então, cum
rumpo ou corruptionis queria dizer a ruptura das estruturas, quando se destroem os
fundamentos de algo, destruir algo” (MARTINS, 2008, p.12).
Este significado está associado à idéia do processo natural, biológico. A ruptura da
estrutura não ocorre de forma abrupta, mas resulta do seu desgaste e degeneração. O
corpo nasce, se desenvolve e, ao atingir seu ápice, começa a se degenerar até que a
doença das partes que o compõe leve-o à morte. É um processo inexorável que afeta
todos os corpos vivos।

O autor mostra que essa acepção biológica e naturalista sobre a corrupção foi
transportada para o campo da moral, passando a ser um critério para qualificar a vida
em sociedade. A explicação para esta mutação terminológica está na transição da
antiguidade greco-romana para o pensamento cristão-medieval e na forma como este
interpretou moralmente o mundo antigo, invertendo a relação entre moral e política. Se
na Grécia antiga a moral estava subordinada à vida política em comunidade e, portanto,
enfatizava os critérios políticos, o mundo cristão acentua as qualidades morais, o ideal
de santidade. Com a cristandade a política é subordinada à moral.
A corrupção, portanto, tem duplo aspecto, moral e político:
“Caracterizam-se, pois, duas maneiras de interpretar a corrupção: de um lado, por meio
de uma leitura moralista, vendo nela a decadência das virtudes do indivíduo, o que gera
conseqüências nefastas para a sociedade. De outro, entendendo a corrupção como algo
resultante das regras do próprio mundo político, sem maiores correlações com a
moralidade do indivíduo. Por essa segunda interpretação, as razões para a corrupção de
uma cidade estarão ligadas à fraqueza de suas leis e de suas instituições políticas, à falta
de preocupação e ação do cidadão em relação às coisas públicas” (Id., p.23-24).
A obra de José Antonio Martins se insere na tradição da filosofia política. Sua análise se
ampara fundamentalmente Maquiavel. A opção é pela reflexão eminentemente política.
Esta se justifica pela importância da filosofia para a compreensão dos ‘eternos
problemas’ da vida em sociedade e também pelas limitações próprias do viés moralista.
No pensamento político moderno, Maquiavel assinala a autonomia relativa da política,
isto é, mostra que esta se rege por regras próprias e não pelos critérios da moral
individual. Ao distinguir a política da moral, ele contribui para a compreensão de
fenômenos políticos como a corrupção. Isto requer reconhecer que a corrupção é
inerente à lógica da política. É neste âmbito que se deve analisar as causas e buscar os
meios para combater essa doença endêmica que corrói as instituições políticas. A
corrupção da política exige, portanto, a política contra a corrupção.
É a partir deste referencial político-filosófico que o autor analisa a corrupção em seu
lócus privilegiado, o Estado. Este não é apenas forma, entidade abstrata, é também
matéria: são os homens e mulheres de carne e osso que lhe dão concretude. Quem
pratica a corrupção são os seres humanos, indivíduos reais que ocupam posições no
aparato do Estado. É preciso identificar bem o problema:
“Então, quando falamos de corrupção política, temos que ter em mente que são essas
pessoas que praticam ações corruptas, são os homens públicos, funcionários e políticos
eleitos que realizam atos de corrupção. É importante frisar isso para que não se cometa
um erro muito comum, que é atribuir a um coletivo abstrato as responsabilidades por
ações de indivíduos” (Id., p. 40).
A tendência à generalização é um dos caminhos para evitar a efetiva identificação e
punição dos responsáveis. A conscientização dos valores republicanos, do significado
da coisa pública (res publica) e da responsabilidade de quem ocupa cargo público, é o
remédio receitado pelo autor:
“Em outras palavras, seria a conscientização do que é o espírito público com o qual
todos os membros do Estado devem estar comprometidos. Isso nada mais é do que fazêlos
saber que suas ações devem visar sempre e primeiramente ao benefício da
coletividade. Ao tomar uma decisão, o homem público deve saber se sua ação está
atendendo ao bem comum. Embora isso pareça na teoria um tanto quanto óbvio, na
prática é mais complicado” (Id., p.43).
A consciência republicana surge como o antídoto historicamente comprovado para
evitar que o cancro se alastre e comprometa o corpo político. A atitude da sociedade, no
sentido de manifestar seu descontentamento e pressionar pela adoção de medidas que
coíbam a corrupção, é fundamental. Isto pressupõe a efetiva participação política em
defesa da coisa pública. Nas palavras do professor Martins, à guisa de conclusão:
“...o melhor remédio para a corrupção, prescrito desde a Antiguidade, é a participação
política, o envolvimento com a res publica, com as coisas públicas, com aquilo que diz
respeito a todos nós. Em sociedades que esquecem a esfera pública, o terreno já está
preparado para a proliferação de casos de corrupção. Ao contrário, naquelas onde os
indivíduos têm consciência de que devem tomar parte na esfera da vida que ultrapassa o
eu, fazendo dela um nós, a corrupção e os corruptos correm sérios riscos. Não
inventaram ainda nenhum remédio melhor do que o exercício da cidadania para dar
conta das doenças políticas” (Id., p.116).
A concepção republicana que permeia a análise da corrupção é uma contribuição
importante para a afirmação do público, da res publica, ante a cultura patrimonialista
presente em nossa história desde os tempos coloniais. O apetite dos interesses privados
também se traduz atos de corrupção com o objetivo de apropriar-se da coisa pública.
Nesse contexto, a defesa do interesse público, a consciência republicana é um avanço.
Contudo, esta é uma questão não apenas prática, mas também teórica. A participação
política encontra sérios limites na forma republicana da organização do Estado, ou seja,
a democracia representativa. Quais interesses efetivamente representam os
representantes? O autor reconhece:
“Esse problema, que não é só brasileiro, tem levado muitos especialistas a questionar se,
de fato o mecanismo da representação política é ainda válido, ou se já não é hora de
buscar outra solução para que o cidadão faça valer a sua vontade e os seus interesses no
interior da sociedade. Certamente a participação direta da população, se não em todas ao
menos nas principais decisões políticas, é uma medida altamente desejável, pois assim
foi concebida a política na Antiguidade. O problema é como viabilizar isso em
sociedades com milhões de cidadãos: como ordenar a participação política num país de
quase 200 milhos de habitantes, dando as mesmas possibilidades a todos?” (Id., p.62).
É um problema tão antigo quanto a democracia direta na Grécia antiga. Já esta tinha
várias limitações e a cidadania era privilégio de parcela da sociedade: mulheres e
escravos não eram cidadãos. E quanto à noção do “bem comum” e do que denomina
como o “nós”? Se os grupos e classes sociais, ainda que sob o discurso republicano,
disputam e se apropriam de maneira desigual e diferente da res publica, em que
consiste, enfim, o “bem comum”? Não será que o “nós” dilui as diferenças e
antagonismos entre as classes sociais? Qual a cidadania possível numa sociedade de
classes?
O autor pressupõe o conflito como inerente à política e o vê como fator de
fortalecimento das instituições republicanas. Mas será que isto corresponde igualmente
aos interesses das forças políticas e sociais que compõe a sociedade de classes? É
preciso perguntar, pois, sobre o caráter da república. Talvez a força da tese do autor
revele também o seu limite।

Não obstante, estamos diante de uma obra esclarecedora, que suscita reflexões e merece
ser lida. Por outro lado, a fundamentação política republicana do autor é tão legítima
quanto a sua possível crítica. Aliás, mesmo o crítico deve partir da reflexão republicana
que ele propõe. A corrupção também se revela um enorme problema nas
autodenominadas repúblicas socialistas e comunistas. Os que pensam a sociedade para
além do capital, portanto, para além da forma republicana capitalista, não podem
desconsiderar isto. Por fim, é da sociedade na qual vivemos que trata o livro. Só por
isso, já vale a pena lê-lo.

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