"Quando os jovens de uma nação são conservadores, o sino de seu funeral já tocou" Henry Ward Beecher

"Quando os jovens de uma nação são conservadores, o sino de seu funeral já tocou"
Henry Ward Beecher

quinta-feira, 14 de março de 2013

“Nos próximos 30 anos, nenhum país europeu sozinho fará parte do G8”


De passagem pelo Brasil, onde pretende realizar um filme durante a copa do mundo, Daniel Cohn-Bendit, atual deputado do parlamento europeu, visitou a redação do Brasil de Fato. Aos 67 anos, “Daniel, o vermelho” (Daniel, le Rouge) – apelido recebido por conta de seus cabelos ruivos e não por suas convicções políticas – conta que há muito adotou o verde da ecologia, mais precisamente do Grupo dos Verdes-Aliança Livre Europeia (European Greens–European Free Alliance), do qual é co-presidente. Em conversa com a reportagem, temas como o agronegócio, agrotóxicos e a crise europeia dominaram a pauta, que ainda encontrou espaço para a Democracia Corinthiana e o movimento estudantil francês de maio de 1968, é claro.

Nós que amávamos tanto a revolução
Eu estive no Brasil em 1983 e1985 por conta do livro Nós que amávamos tanto a revolução (We that loved it so much, the revolution), que falava sobre a geração que viveu os anos 1960 em todo o mundo. Uma parte do texto era dedicada às guerrilhas e, no Brasil, entrevistei o Fernando Gabeira e Alfredo Sirkis, por suas histórias nessa luta. Lembro que fui a um estádio assistir a uma partida do Corinthians e o time entrou carregando uma faixa em que estava escrito: “ganhar ou perder, mas sempre com democracia”. Algum tempo depois, acabei encontrando o Sócrates e, na mesma época, conheci o Lula, por meio de sindicatos. Desde então, estive outras vezes por aqui.
Dessa vez o motivo é um projeto que estou desenvolvendo sobre a Copa do Mundo. Uma das ideias é filmar em três ou quatro lugares diferentes, mas não estamos interessados nos jogos. Queremos saber como a Copa irá afetar a vida das pessoas que vivem nesses lugares. E também a importância do futebol para as comunidades. O que significa uma “pelada” em Manaus, por exemplo. Mas também queremos falar do processo de redemocratização do Brasil, como se encontra o processo com relação aos anos 1970, as Diretas Já. E aí entra a história do futebol brasileiro, suas implicações políticas, como a Democracia Corinthiana. E como está esse futebol hoje, com Raí e a Fundação Gol de Letra. A ideia é não falar apenas das contradições sociais, mas do desenvolvimento democrático do país.

1968 x Occupy Wall Street
Um paralelo óbvio é a indignação, quando as pessoas dizem “não queremos esse mundo”. Pode parecer que todas as revoltas são iguais, mas não são. Temos que entender que 68 foi um movimento mundial, fascinante por ter características próprias em cada localidade, mas identificado com uma certa emoção. Eu sempre digo que era um sentimento anti-autoridade de querermos ser donos de nossas próprias vidas. E esse sentimento, se você conversar com pessoas que viveram esse período na Polônia, por exemplo, então um país comunista, a revolta deles era expressa por meio do jazz. Eles também queriam lutar contra o comunismo, queriam democracia. Posteriormente, em conversa com Adam Michnik, participante ativo do movimento no país (evento conhecido como Marcha de 1968) e hoje defensor do neoliberalismo, ele confirmou que buscavam a democracia, a possibilidade de votar, mas ao mesmo tempo existia um sentimento antiautoritarismo contra a moral e hipocrisia comunista. O mesmo ocorria na França, na Alemanha, na Itália e até na América Latina, mesmo com situações socioeconômicas completamente diferentes. Mas para nós, na França e na Alemanha, em 1968, tudo era possível.

Uma loucura séria
Nesse movimento tínhamos a loucura mais séria. Tínhamos maoistas, guevaristas, trotskistas... Você não pode imaginar tamanha loucura, com um grupo tão heterogêneo. Eu era anarquista libertário, eu me identificava, naquele momento, com todos os movimentos de esquerda derrotados pela luta de classes no século passado, como na Espanha em 1936 (Guerra Civil Espanhola, 1936/1939) ou na revolta de Kronstadt (1921) contra os bolcheviques etc. Eu sempre digo que, naquele momento, o discurso era antigo, mas a fúria, os motivos para a revolta, eram modernos. Nós não tínhamos medo do futuro. Nosso argumento era: “é o nosso futuro! Somos capazes de fazer nossas vidas, somos capazes de sermos donos do nosso futuro”.
Agora pense no momento atual. É completamente diferente. Os jovens temem não ter nenhum futuro. Lembre da ruptura proposta pelo movimento Punk: “no future” (sem futuro). É algo real que, hoje, assusta a todos ainda que não sejam mais punks. E sobre isso existe um sentimento político e teórico de que é preciso lutar contra as forças do capitalismo, responsável pelo péssimo estado das coisas. Mas o problema é que as pessoas não podem dizer que querem o socialismo. Querem um pouco, mas não querem Cuba, China... Não existe uma proposta nova. A maioria de nós, naquele período, tinha uma ideia de uma nova sociedade.
O movimento Occupy tem uma compreensão do que seja o capitalismo moderno e a globalização. Mas sua maior dificuldade é colocar isso em uma situação política em que você possa articular uma maneira de construir uma nova sociedade. Não penso que seja algo negativo, mas ingênuo. De uma maneira positiva, no entanto. Temos que sentar juntos e pensarmos em uma nova sociedade... Mas a questão é que o capitalismo é algo muito forte. Em resumo, eu reconheço o sentimento de revolta e agora temos que começar o debate sobre o que fazer. Mas eu faço parte do parlamento europeu. Não posso dizer que sou um occuppy.

Modernizando o capitalismo
Depois da segunda guerra, tanto no leste quanto no oeste, as gerações que tiveram que reconstruir a sociedade tinham um objetivo histórico, uma moral... Não era o momento de mudança. Nos anos 1960, já vivíamos em uma sociedade rica, em comparação. Mas a moral da sociedade ainda pertencia ao passado, não se encaixava. Então pode se dizer que foi um movimento de modernização do capitalismo, algo que todos os movimentos buscam – uma vez que não existe um momento em que um movimento derruba tudo, o capitalismo chega ao fim, o novo mundo aparece e todos se beijam. Era um movimento de avanço social, e era um momento de avanço do capitalismo.

Abrindo mentes
O espírito de 1968 está na frase “é proibido proibir”. Porque ali também está dito que também é proibido não proibir. É uma frase que diz que temos que abrir nossas mentes. Quando fui expulso de Paris, houve uma grande manifestação em Paris onde uma multidão gritava “somos todos judeus alemães”. E essa foi para mim uma das maiores demonstrações antirracistas que vi. É claro que eu era a razão do protesto, e foi emocionalmente muito importante. Mas estavam envolvidos muçulmanos, católicos, negros, brancos, homens, mulheres... “Somos todos judeus alemães”. Isso foi muito importante e acho que não se repetiria hoje.

Luta de classes x liberdades individuais
Acho que o movimento envolvia a luta contra o capitalismo e a busca por liberdades individuais. Movimentos como esse nunca são puros. Era um movimento de libertação, mas não apenas individual. Havia a luta das mulheres, o movimento Gay... Era como uma porta aberta: lute pelos seus direitos. Direitos individuais e coletivos. E também havia a questão da luta de classes pelo envolvimento dos jovens nas fábricas, logo no começo, que lutavam contra o capitalismo. Houve a organização dos sindicatos, lutas por questões trabalhistas como jornada de trabalho e férias pagas. A questão é que, muitas vezes, ideologias reduzem a luta de classes à luta pelo poder. A principal luta é pela melhoria das condições de vida do trabalhador, do seu dia a dia. Então haviam vários componentes envolvidos no movimento: socialistas, libertários, liberais...

Influências
Muitos dizem que uma das principais influências, em Paris, foi (Herbert) Marcuse (autor de Eros e Civilização). Mas seu livro, até o final de 1967, tinha vendido poucas cópias. Tornou-se popular apenas após 1968, quando vendeu 150 mil. Então ele não foi uma influência, mas muitos o usaram para compreender o período. Também seria errado esquecer da guerra do Vietnã, e do movimento contra essa guerra e todos os movimentos anti-imperialistas.

Virando verde
   
   Daniel Cohn-Bendit atualmente - Foto: Kenji Baptiste Oikawa/CC
É importante entender que a alcunha “Daniel, o vermelho” não tem conotação política. Refere-se apenas à cor dos meus cabelos na época. Eu era um anarquista. Para encurtar a história, eu vivia na Alemanha nos anos de 1970, quando surgiu o movimento ecológico contra a energia atômica, com grandes protestos contra a construção de usinas no país. E, naquele período, reunimos um grupo – onde estava Oscar Fischer, que se tornaria ministro das Relações Exteriores da Alemanha – que conhecia os movimentos dos anos 60, e finalmente os compreendia. Grandes mobilizações duram um ano ou menos e depois desaparecem aos poucos. Então, se você quer mudar algo, tem que ir até onde as mudanças são feitas. E numa democracia é no parlamento. Naquele período foi criado o partido verde. Entendia-se que o caminho era a política ecológica e a crítica contra a direita e a esquerda tradicional. Contra a ideia de que o único problema da sociedade era a distribuição dos benefícios da produção. Nós percebemos que há outro problema: a produção está destruindo o planeta. Não é só um problema social, mas de como vivemos, como produzimos. Por essas razões me juntei ao movimento e me tornei verde ou seja lá o quê.

Nacionalidade
Se perguntam minha nacionalidade eu digo que sou um bastardo, um franco germano bastardo. E me sinto bem assim. Sou uma mistura. Minha identidade é europeia e eu luto pela Europa Federal. Sou o único eleito para o parlamento por dois países diferentes, França e Alemanha. Devo me aposentar ao final de meu mandato, em 2014, e venho filmar aqui no Brasil.

Crise europeia
Temos uma crise na Europa. Mas os países não entendem que nenhum deles vai sair dessa crise sozinho. A solução pode ser apenas europeia. O fato de não haver um governo federal europeu é uma grande problema. Os EUA podem regular o mercado financeiro, mas a França e a Alemanha não podem. É preciso um consenso na União Europeia. E agora a Europa vive um momento muito difícil, porque precisa reunir a sociedade e discutir as regulamentações financeiras para ajudar alguns países, mas por outro lado existe a Alemanha, a Finlândia que não enfrentam déficit. Porque se você quer ajudar a Grécia, vai precisar do dinheiro alemão. E para isso acontecer é preciso se comprometer com a Alemanha. É muito difícil. A política de austeridade está matando Atenas, Roma, Madri... E a revolta é justa. E para resolver o problema você precisa desses países. E o que os europeus não sabem ou fingem não saber é que, nos próximos 30 anos, nenhum país europeu sozinho fará parte do G8. Nem a Alemanha. Será Brasil, México, Indonésia, EUA, China, Rússia, Índia e Japão. Em 2060, a população alemã será de 61 milhões. Hoje são 80 milhões. A idade média do alemão, então, será de 51 anos. Você acha possível ter uma sociedade dinâmica com essa idade? O problema com a crise é que a Europa precisa dar um salto histórico. Creio que a solução para os problemas não é nacional, mas europeia.

O cara da foto
É fascinante que minha fotografia seja a imagem associada ao maio de 1968, comigo na frente de um policial. Já estive em vários países e todos me perguntam sobre isso, mas eu não sei dizer por que essa data específica teve tanta influência no mundo. 1968 é um ícone, um mito. E fiquei associado a isso por causa de uma foto. Acho que ela representa a revolta contra o poder, mas com uma atitude positiva. Era Davi contra Golias. Um sorriso como arma.

Nenhum comentário: