"Quando os jovens de uma nação são conservadores, o sino de seu funeral já tocou" Henry Ward Beecher

"Quando os jovens de uma nação são conservadores, o sino de seu funeral já tocou"
Henry Ward Beecher

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Golpe de Estado no Paraguai Por um Tribunal Popular para punir os assassinos e entregar as terras aos camponeses


A decisão do Parlamento de destituir o Presidente da República, Fernando Lugo, no dia 22 de junho, obscureceu o assassinato de 11 camponeses.
Em 15 de junho, a polícia atacou os sem-terra que ocupavam uma fazenda do latifundiário e ex-senador Blas N. Riquelme. Desta vez, os camponeses não se submeteram à força militar e resistiram. Em legítima autodefesa deixaram um saldo de 6 mortos entre os agentes da repressão.
Segundo as autoridades, a resistência armada se deveu ao Exército do Povo Paraguaio (EPP). A Liga Nacional dos Carperos colocou em dúvida que os sem-terra tivessem capacidade militar para impor tamanha baixa na Polícia Nacional. O líder José Rodríguez suspeita que o “confronto pode ter sido provocado pela polícia”. É sintomático que os jornalistas fossem impedidos de ter acesso ao conflito e poderem informar sobre as condições em que ocorreram as mortes. Somente um Tribunal Popular poderá investigar os acontecimentos que resultaram na morte de 11 camponeses e 80 feridos.
O ponto de partida da investigação se encontra na tremenda opressão sofrida pelos pobres do campo, que suportam o peso da gigantesca concentração fundiária. A burguesia paraguaia, sua fração oligárquica e seu Estado são responsáveis pelo derramamento de sangue dos camponeses que não faziam senão lutar pela expropriação das terras e colocá-las sob seu controle coletivo.
A resistência camponesa é parte da luta de classes contra o poderio latifundiário, emanado da grande propriedade dos meios de produção e do Estado. As terras ocupadas em Colônia Ybyrá Pytá, no departamento de Canindeyú, constituíam uma área de conflito há dois anos. Os camponeses exigiam que o governo de Fernando Lugo cumprisse sua promessa de reforma agrária, bandeira essa que serviu para arregimentar votos no campo nas eleições de 2008 e levar ao poder a coalizão da esquerda burguesa Aliança Patriótica para a Mudança (APC).
A população oprimida pela oligarquia latifundiária alimentou a ilusão de que com a derrocada do velho Partido Colorado abrir-se-iam novas condições econômicas e políticas favoráveis aos explorados. As massas esperançosas não poderiam imaginar que seria sob o governo reformista de Lugo que ocorreria uma violenta repressão aos sem-terra e a mortandade em Canindeyú.
A mudança de força política no Estado, depois de um longo período de ditadura, constituída pelo general Alfredo Stroessner e exercida pelo Partido Colorado, se deu no seio da política burguesa. Evidenciou que não era possível se desfazer do velho poderio latifundiário pela via eleitoral. As instituições reacionárias de Stroessner não foram desmanteladas e o Partido Colorado continuou a ditar o curso dos acontecimentos no País.
Lugo chegou ao poder em uma situação de profunda desintegração da hegemonia do Partido Colorado, que detinha o poder há 61 anos. A queda do general Stroessner em fevereiro de 1989, por meio de um golpe militar, abriu um período de instabilidade política. O assassinato do vice-presidente, Luis Maria Argaña, em março de 1999, expôs ao País a disputa gangsteril entre lideranças da política burguesa. Nesta crise, as massas foram às ruas exigindo a queda do governo Raúl Cubas. O que resultou em mortes de manifestantes. O general golpista Lino Oviedo e Raúl Cubas foram responsabilizados pelos crimes. Depois de um breve período de detenção, os facínoras voltaram a influenciar o processo político do País.
Contra esses mafiosos da política burguesa, a figura do padre Fernando Lugo, vinculado à teoria da Libertação, ganhou força entre os explorados e se elevou ao poder do Estado. Derrotou a candidatura colorada de Blanca Ovelar e do general Oviedo, que se candidatou pela União Nacional de Cidadãos Éticos (UNACE), partido esse surgido das entranhas do velho Colorado. No entanto, o governo Lugo imediatamente se adaptou ao poder burguês, o que significou submeter-se ao velho poder dos colorados.
Essa experiência demonstra que o reordenamento de forças no seio da política burguesa em crise, em que a democracia eleitoral permitiu a ascensão de um partido não identificado com a reação conservadora, como foi o caso de Lugo, não faz senão proteger o poder burguês da ofensiva das massas que podem avançar para a via revolucionária. Nota-se que o reformismo comparece como uma solução para a desintegração dos velhos partidos, que se acham desmoralizados perante a maioria explorada. Solução essa que é a de desviar o curso do choque das massas contra o Estado.
O reformismo, que se coloca como uma via de atendimento das aspirações dos explorados e de solução de tarefas democráticas do País atrasado e semicolonial, se revela impotente perante as leis econômicas do capitalismo decadente e diante da burguesia interna e do imperialismo. É o que aconteceu com o governo de Fernando Lugo que não foi capaz de concretizar a bandeira de reforma agrária, que se mostrou servil ao poder militar, que se submeteu ao predomínio dos colorados no Parlamento e que por fim foi afastado da Presidência por meio de um golpe do Congresso.
Em 36 horas, os parlamentares aprovaram o impeachment. A base de sustentação de Lugo, “Aliança Patriótica para a Mudança”, liderada pelo vice-presidente Federico Franco do Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA) se uniu quase que integralmente aos colorados para destituir o Presidente. Não houve uma mínima resistência congressual ao golpe. O Parlamento como um todo expressou o domínio oligárquico latifundiário. E o presidente deposto não contou com um levante popular, a não ser uma ligeira manifestação dos seus partidários em frente ao Congresso Nacional.
Faltando nove meses para encerrar o mandato, Lugo já não governava. A matança de 11 sem-terras no departamento de Canindeyú foi tão somente um motivo a mais para os parlamentares cassarem seu mandato.
O movimento camponês ganhou força sob o governo de Lugo. O embate contra os grandes produtores de soja brasileiros, que detêm grandes áreas no Paraguai, indicou a profundidade da crise política. O movimento sem-terra esteve a um passo de se confrontar com a repressão e com o próprio governo que lhes prometeu a reforma agrária, mas que se mostrou submisso às pressões dos latifundiários e do governo brasileiro. O recuo provisório aliviou o conflito entre camponeses e brasiguaios. A ocupação da Colônia Ybyrá Pytá, porém, não teve a mesma sorte.
O fato de Lugo ter exonerado o ministro do Interior, Carlos Filizzola, e o chefe da Polícia Nacional, Paulino Rojas, demonstrou que a sangrenta operação não contou diretamente com a anuência do Presidente da República. Lugo foi buscar um novo ministro no Partido Colorado, Rubén Candia. Por sua vez, o novo chefe da Polícia esteve preso em 2002, sob a acusação de tráfico e falsificação. Criou-se um mal estar entre os oficiais de patente superior. O Movimento Agrário do Paraguai exigiu que Lugo se definisse pelos camponeses sem-terra ou pelas armas da Polícia. Embora se tratasse de uma reclamação quixotesca, evidenciou a responsabilidade do Presidente pela violência policial no cumprimento do mandado de reintegração de posse da área ocupada em favor do latifundiário.
Nesta instável posição governamental, os parlamentares retiraram da gaveta o impeachment. A rapidez como se agiu serviu para o Congresso mostrar à população que Lugo já não governava e também para amortecer o impacto das mortes.
Os governos brasileiro e chileno questionaram o impeachment sob o argumento de que não foi dado a Lugo o direito de defesa. Os governos da Argentina, Venezuela, Equador e Bolívia caracterizaram como golpe. A sombra da destituição do Presidente de Honduras, Manuel Zelaya, em junho de 2009, se projetou sobre o Paraguai e de lá sobre os países do Mercosul, da Unasul e da OEA. Não houve como dizer que não ocorreu um golpe contra o presidente eleito do Paraguai. No caso de Honduras, os Estados Unidos disciplinaram a rebeldia do Brasil e aliados em favor de Zelaya. Agora, Lugo decidiu constituir um governo paralelo e esperar que o Brasil lidere um movimento pela sua recondução. Os explorados paraguaios não devem permitir nenhuma intervenção externa e tomar o problema em suas mãos.
Como se vê, o Presidente destituído não convocou a população a se rebelar contra os golpistas. Uma novela do tipo Honduras é a mais provável. O primeiro capítulo se apresenta com Lugo recorrendo à Suprema Corte para que anulasse o impeachment. Mas os juízes não fizeram senão confirmar a constitucionalidade arguida pelo Parlamento golpista. A Igreja já deu sua benção a Federico Franco. Na reunião do Mercosul não poderá participar o novo presidente. A cláusula que exige o respeito à democracia foi violada. Segundo a caracterização de seus membros, devido ao impeachment sumário e não porque somente o povo que elegeu Lugo pode destituí-lo.  
A violência desfechada contra os camponeses resultou do direito burguês de defesa da propriedade privada. Essa mesma propriedade constitui a base do ordenamento político e ideológico da democracia. O golpe institucional, que não necessitou desta vez do concurso das Forças Armadas, está a serviço da oligarquia latifundiária. O papel dos governos que juram ser democráticos, portanto, será o de encontrar uma saída que mantenha a condenação do movimento camponês e a proteção dos grandes proprietários, incluindo os capitalistas brasileiros que sugam riquezas do País vizinho. Não há dúvida que devemos denunciar o golpe, mas também responsabilizar o governo Lugo pelo sangue dos pobres derramado no departamento de Canindeyú.
A tarefa que se coloca para o movimento revolucionário no Paraguai é o de rechaçar qualquer que seja o governo burguês. Não há outra saída senão se organizar em torno da luta por um governo operário e camponês, que resulte da derrubada da burguesia do poder do Estado. Não desconhecemos que não há um partido marxista-leninista-trotskista que possa ocupar o lugar de direção no seio das massas exploradas. O que impossibilita desenvolver a estratégia do governo operário e camponês. Não obstante, essa é a tarefa.
A ausência da direção revolucionária será superada com a vanguarda reconhecendo a estratégia do proletariado frente à crise da burguesia e trabalhando para que esse objetivo seja alcançado. O destacamento consciente não deve se envolver e se com a disputa interburguesa sobre a violação da democracia. Ao contrário, deve-se colocar em primeiro plano o assassinato dos camponeses, a exigência da punição aos crimes da burguesia e a expropriação dos latifúndios pela ação dos pobres do campo, em aliança com a classe operária.
A classe operária e os camponeses da América Latina têm o dever de denunciar as manobras de seus governos que vomitam a democracia exercendo a ditadura de classe dos exploradores sobre a maioria explorada. Levantamos a bandeira de constituição de um Tribunal Popular para investigar e punir os crimes dos opressores contra os camponeses.

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